Dia da Região: Bispo diz que testemunho da fé oferecido pelos madeirenses é reconhecido e admirado no mundo inteiro

Foto: Duarte Gomes

D. Nuno Brás reconheceu este sábado, dia 1 de julho, na Eucaristia incluída nas celebrações do Dia da Região e das Comunidades Madeirenses, a que presidiu na Sé do Funchal, que “o testemunho da fé oferecido pelos madeirenses é reconhecido e admirado no mundo inteiro”.

A diáspora, explicou o prelado, “faz parte do ser madeirense”. “Temos este impulso para sair, para ir até outras paragens. Talvez porque aqui, na Ilha, tudo pareça ser demasiado pequeno para realizar o sonho de infinito que nos habita. Ou, talvez, porque fomos esmorecendo na vida fé — a única realidade que nos permite olhar para o verdadeiro infinito, que nos dá o verdadeiro e definitivo horizonte que sacia a nossa sede de infinito”, constatou.

“Não se trata — longe disso — de considerar a emigração que (compreensivamente) caracteriza a vida madeirense, como uma realidade negativa”, vincou. Trata-se antes de “aceitarmos o convite que Jesus Cristo nos faz a todos, de olharmos a vida com este novo e infinito horizonte que apenas Ele nos pode oferecer, mesmo continuando a viver aqui na Ilha”.

De resto, vincou ainda o bispo do Funchal, “ao longo destes 600 anos, os madeirenses têm feito tesouro da herança recebida dos seus antepassados: têm cuidado das obras de arte, das construções, dos usos e costumes que animaram um ‘modo diferente’ de viver”, vincou o prelado.

Além disso, “temos igualmente vivido a fé, essa vida nova — vivida com fervor, a animar e transformar o quotidiano, oferecendo-lhe o horizonte e o sentido definitivo”.

“Saibamos nós aceitar o desafio da fé, em qualquer lugar em que nos encontremos”, concluiu o prelado.

Esta Eucaristia, na qual marcaram presença representantes das mais altas autoridades regionais, foi concelebrada pelo bispo emérito D. António Carrilho, pelo vigário geral, cónego Fiel de Sousa, pelo pároco da Sé, Cónego Marcos Gonçalves e pelo Pe. Simões e solenizada pelo Coro de Câmara e elementos da Orquestra Clássica da Madeira.

A celebração fez parte de uma série de eventos, entre os quais a Sessão Solene na Assembleia Legislativa, a deposição de flores na Praça da Autonomia o desfile das forças de socorro na Avenida do Mar e a imposição de Insígnias Autonómicas Madeirenses a várias personalidades, com que se assinalou mais este Dia da Região e das Comunidades Madeirenses.

Leia na íntegra a homilia de D. Nuno Brás: 

DIA DA REGIÃO
XIII DOMINGO DO TEMPO COMUM (A)
Catedral do Funchal, 1 de Julho de 2023

  1. Conta a tradição que o primeiro homem nascido na Madeira recebeu o nome de Adão: Adão Gonçalves Ferreira. E que sua irmã recebeu o nome de Eva (Eva Gomes Ferreira). Seu pai, Gonçalo Aires Ferreira, era homem de confiança de João Gonçalves Zarco.

Este facto revela bem como os primeiros colonos se entendiam a si mesmos: tinha-lhes sido confiado por Deus um pedaço do Paraíso terrestre, para que o cultivassem e fizessem dar fruto — mas, também, para que dessem origem a um novo modo de viver. Estavam a começar algo de novo, numa terra virgem, que mais ninguém tinha moldado e transformado, no meio de um mar imenso e (ainda) adverso.

Para eles, talvez fosse apenas a consciência de inaugurar uma vida nova nestas novas paragens oceânicas. Não tinham, de certeza, a noção daquilo que esta primeira colonização oceânica significaria para a história universal: o início de uma nova época cultural, o início dum mundo tão diferente daquele em que anteriormente viviam! Com efeito, se é certo que não foi apenas o “achamento” destas novas paragens que marcou o princípio do Renascimento, aquele é um dos seus factores e o espelho do que significa o século XV europeu.

Certamente o Adão e a Eva madeirenses não tinham a consciência alargada das consequências do que estavam a viver: essas, apenas a distância da história permite. Mas tinham, de certeza, a percepção de o fazer em nome de Deus: a Ilha tinha-lhes sido confiada pelo Criador como outrora o Paraíso fora confiado a Adão e a Eva. Vinham de um mundo velho, mas era-lhes oferecida a possibilidade de um recomeço radicalmente novo. Algo de novo estava a surgir, não apenas diante dos seus olhos mas com eles, por meio deles.

E quando a labuta do quotidiano e os desastres naturais pareciam contradizer essa inicial noção paradisíaca, nunca desistiram os nossos antepassados de recomeçar, uma e outra vez: o Deus que lhes tinha entregue esta Ilha é o mesmo que permite o recomeço, uma e outra vez — sempre que necessário! — e, sobretudo, o Deus que sempre aponta novos horizontes de existência. O quotidiano madeirense teria sido impossível sem esse outro horizonte que apenas a fé, verdadeira fonte de vida nova, pode oferecer.

  1. A vida nova: eis o que cada ser humano sempre procura — porque fatigado do trabalho, do ritmo intenso do viver, da repetição vã de tentativas para recomeçar, ou até porque insatisfeito com o bem-estar que já conseguiu. Somos eternos insatisfeitos, nós, os seres humanos: o mundo em que vivemos e que construímos é claramente pouco e pequeno para o infinito que explode no nosso coração.

É essa vida nova que nos encontra quando Deus nos surge ao caminho — quando percebemos a Sua presença ao nosso lado, quando somos confrontados com qualquer realidade onde a marca divina se nos manifesta e nos interroga — ou até nos envolve.

Foi essa, certamente, a percepção daquela mulher da Iª Leitura que, acolhendo o Profeta em sua casa, se viu presenteada com um filho — ela que era estéril e cujo marido tinha já idade avançada.

Mas essa vida nova, verdadeira e radical, não consiste numa vida simplesmente diferente, ainda que o “diferente” signifique uma mudança de cultura, uma nova época na história da humanidade. Disso, se deram conta bem depressa os que a esta Ilha vinham com o entusiasmo da novidade: encontravam apenas o diferente, não fosse a fé cristã, vivida em cada momento, oferecer-lhes a possibilidade de ir mais longe.

Na IIª leitura, S. Paulo convidava-nos a reconhecer isso mesmo: convidava-nos a reconhecer, nos que são baptizados, o gérmen duma verdadeira vida nova, de que as mudanças mais ou menos profundas são apenas o prenúncio. De facto, é a vida nova que recebemos no Baptismo: “Fomos sepultados com Cristo pelo Baptismo na sua morte, para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos, pela glória do Pai, também nós vivamos uma vida nova” — assim dizia o Apóstolo.

Esta vida nova não consiste tanto em projectos e ideias diferentes (pessoais ou colectivos), mas na nossa relação com Jesus de Nazaré, no “encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” — dizia o Papa Bento XVI, citado com frequência pelo Papa Francisco (DCE 1). É o encontro com Jesus Cristo que conduz a uma identificação cada vez maior com Ele, até à cruz — até ao desapossamento de nós mesmos para que Cristo possa ser tudo em nós: “Quem ama o pai ou a mãe mais do que a Mim, não é digno de Mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a Mim, não é digno de Mim. Quem não toma a sua cruz para Me seguir, não é digno de Mim”, escutávamos no evangelho.

A vida nova é uma Pessoa, um homem que venceu a morte, que dá a todos a possibilidade de partilhar da sua vida divina. Não tenhamos medo de, por meio dela, passarmos a olhar e a viver dum modo novo, ainda que mais exigente: o modo daquele que segue radicalmente a Jesus.

  1. Ao longo destes 600 anos, os madeirenses têm feito tesouro da herança recebida dos seus antepassados: têm cuidado das obras de arte, das construções, dos usos e costumes que animaram aquele “modo diferente” de viver. Mas temos igualmente vivido a fé, essa vida nova — vivida com fervor, a animar e transformar o quotidiano, oferecendo-lhe o horizonte e o sentido definitivo. O testemunho da fé oferecido pelos madeirenses é reconhecido e admirado no mundo inteiro.

Encontramos madeirenses nas mais diversas partes do mundo. A diáspora faz parte do ser madeirense. Temos este impulso para sair, para ir até outras paragens. Talvez porque aqui, na Ilha, tudo pareça ser demasiado pequeno para realizar o sonho de infinito que nos habita. Ou, talvez, porque fomos esmorecendo na vida fé — a única realidade que nos permite olhar para o verdadeiro infinito, que nos dá o verdadeiro e definitivo horizonte que sacia a nossa sede de infinito.

Não se trata — longe disso — de considerar a emigração que (compreensivamente) caracteriza a vida madeirense, como uma realidade negativa. Trata-se antes de aceitarmos o convite que Jesus Cristo nos faz a todos, de olharmos a vida com este novo e infinito horizonte que apenas Ele nos pode oferecer, mesmo continuando a viver aqui na Ilha. Saibamos nós aceitar o desafio da fé, em qualquer lugar em que nos encontremos.