Papa Francisco visita a Bienal de Veneza. Cardeal Tolentino: “diálogo frutífero e estreito com o mundo das artes e da cultura”

A terceira participação da Santa Sé na 60ª edição da Bienal de Veneza, programada de 20 de abril a 24 de novembro deste ano, foi apresentada nesta segunda-feira (11). O cardeal Tolentino de Mendonça: os artistas, não como caixa de ressonância da Igreja, mas participantes de um encontro.

Foto: Vatican Media

“Quando mostrei ao Papa Francisco o projeto do Pavilhão da Santa Sé para a próxima Bienal de Arte de Veneza, ele respondeu: ‘também irei com os meus olhos'”, revelou na manhã desta segunda-feira (11) o cardeal José Tolentino de Mendonça, prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação da Santa Sé e comissário do Pavilhão, durante uma coletiva de imprensa de apresentação do espaço expositivo da Santa Sé na 60ª Exposição Internacional de Arte – A Bienal di Veneza, que estará aberta ao público de 20 de abril a 24 de novembro de 2024. E, de fato, o título do Pavilhão do Vaticano é “Com os meus olhos”, que será realizado em um local excepcional e verá o “fato revolucionário que um Pontífice venha a ver o Pavilhão”, como disse Chiara Parisi, que junto com Bruno Racine forma a equipe de curadores da exposição. Será um momento histórico porque Francisco será o primeiro Papa a visitar a Bienal de Veneza, no próximo dia 28 de abril, “o que demonstra claramente o desejo da Igreja de consolidar um diálogo frutífero e estreito com o mundo das artes e da cultura”, explicou ainda o cardeal de Mendonça.

Um local excepcional

O local escolhido também é bastante excepcional e “aparentemente inesperado”: a prisão feminina na Ilha de Giudecca. O cardeal comissário continua explicando as razões para as escolhas que guiaram a concepção do Pavilhão, razões que levam a uma imersão de um no outro e se tornam consequentes, lógicas. Elas derivam da necessidade de traduzir em prática as palavras do Papa, começando, sobretudo, com o Discurso aos Artistas, proferido em 23 de junho na Capela Sistina, onde os convidava a não se esquecerem dos pobres, daqueles que vivem em condições de vida extremamente duras, que não têm voz para se fazer ouvir e, portanto, os convidava a “tornarem-se intérpretes do seu grito silencioso”.

Prisão feminina da Ilha de Giudecca (foto Fabio Cremascoli)
Prisão feminina da Ilha de Giudecca (foto Fabio Cremascoli)

Da espera à vida ativa

Ocasiões que formam coincidências, como o fato de que, assim como a Bienal, também se passaram 60 anos desde a primeira exibição do filme de Pasolini, o “Evangelho segundo São Mateus”, e que as palavras muitas vezes coletadas do Pontífice sobre as obras de misericórdia, “que não são temas teóricos, mas testemunhos concretos”, e nesse caso: “Estava na prisão e vocês vieram me ver“: “a prisão é um lugar inesperado, onde a espera é um sentimento permanente”, diz Giovanni Russo, chefe de departamento do Ministério da Justiça – Departamento de Administração Penitenciária e parceiro institucional: transformar a espera em uma vida diferente e ativa, chamando para esse projeto as detentas a “ver com os próprios olhos” e a participar em primeira pessoa, perseguindo o compromisso com a salvação de cada pessoa, “orientando a bússola do Departamento para a direção e a formação das consciências”, conclui Russo. Foi necessário escolher, para a Santa Sé, que não tem seu próprio pavilhão, um lugar que já continha uma mensagem em si”, diz o curador Bruno Racine.

Um projeto “alegre”

A resposta das detentas foi imediata e apaixonada, que não cedem o espaço físico para permitir a realização do evento, mas participam ativamente. Os artistas, da mesma forma, “nos surpreenderam com propostas e entusiasmo”, acrescenta a curadora Parisi, que continua: “foi criada uma relação de grande confiança entre todos, com a ideia de contar uns com os outros em um grande unitário ‘projeto alegre'”. Os nomes dos artistas são de absoluta grandeza no panorama da arte contemporânea mundial: Maurizio Cattelan, Bintou Dembélé, Simone Fattal, Claire Fontaine, Sonia Gomes, Corita Kent, Marco Perego & Zoe Saldana, Claire Tabouret, com exceção da lendária Corita Kent, que não está viva, todos estarão em Veneza para fazer a curadoria e expor suas obras.

Derrubando preconceitos com o poder do olhar do outro

As visitas ao Pavilhão, somente com hora marcada, serão conduzidas pelas prisioneiras-conferencistas. Isso, enfatizaram os palestrantes na coletiva de imprensa, representa um verdadeiro desafio: superar o desejo de voyeurismo e julgamento em relação aos artistas e às próprias prisioneiras, corroendo os limites entre observador e observado, julgador e julgado, para refletir também sobre as estruturas de poder na arte e nas instituições. Mais uma vez, o protagonista é o olhar, e apenas com os olhos, deixando seus celulares na entrada, os visitantes podem acessar à exposição.

Construir o olhar social, cultural e espiritual

Voltando ao título do Pavilhão, o cardeal de Mendonça explica que “não é por acaso que o título, ‘Com os meus olhos’, pretende chamar nossa atenção para a importância de como construímos nosso olhar social, cultural e espiritual, pelo qual todos somos responsáveis. Vivemos em uma época marcada pelo domínio do digital e pelo triunfo das tecnologias de comunicação à distância, que propõem um olhar humano cada vez mais diferido e indireto, correndo o risco de se distanciar da própria realidade. A contemporaneidade prefere metaforizar o olhar; em vez disso, ver com os próprios olhos dá à visão um status único, pois nos envolve diretamente na realidade e nos torna não espectadores, mas testemunhas. É isso que a experiência religiosa tem em comum com a experiência artística: nenhuma delas deixa de valorizar o envolvimento total do sujeito”.

Maria Milvia Morciano – Vatican News