Machico: Na Escola de Sant’Ana aprendem-se valores para a vida

«Quem dera que todas as crianças do mundo tivessem pão, soubessem ler, aprendessem a catequese e amassem a Deus» - Irmã Wilson.

Foto: Duarte Gomes

Não há um dia especial para falar da Irmã Wilson. No entanto, há datas que marcaram a vida desta religiosa que, pela sua importância, importam lembrar.

Hoje é um desses dias. Há 112 anos, neste dia 1 de novembro, dia de Todos os Santos, a Irmã Wilson regressava do exílio, depois de várias iniciativas sem êxito.

Nessa altura, com 71 anos, vinha cheia de esperança e com grande vontade de retomar tudo de novo. E assim o fez, tendo este sido um momento decisivo para a vida da congregação.

Como o prometido é devido, ainda que com algum (muito), atraso trazemos hoje à luz do dia a prometida reportagem sobre a visita à Escola de Sant’Ana – Externato.

Uma forma de falar de uma escola especial, onde se aprendem valores para a vida e de lembrar a irmã Wilson – a Boa Mãe – e todo o seu trabalho.

Então, no dia e hora combinados tocamos à campainha da Escola de Sant’Ana – Externato, que fica em Machico. Do outro lado ouve-se um som estridente e uns minutos depois a porta abre-se.

Uma funcionária, jovem e sorridente, abre a porta. Dizemos ao que vamos, pede-nos que entremos e aguardemos. Minutos depois aparece a irmã Teresa Gomes, a diretora do estabelecimento, que nos propõe uma visita.

Naquele instante, a nossa presença passou a ter não só o propósito inicial de entrevistar a irmã, mas de conhecer a escola, tanto na sua dimensão física como humana e religiosa.

Assim, o que era para demorar pouco tempo, acabou transformando-se numa manhã bem passada, com direito a bolo e chá, e a visita guiada.

Começamos pela sala do 4º ano. A irmã vai à frente abrindo caminho e explicando aos meninos e meninas quem somos. Alguns desconheciam o que é ser jornalista, mas outros foram respondendo coisas interessantes, que nem eu própria me lembraria sobre a profissão. À curiosidade própria da idade, fomos procurando explicar de forma simples em que consiste o nosso trabalho.

Mesmo sem termos o ‘discurso’ preparado, lembrei-me de lhes mostrar a Carteira Profissional, que foi passando de mão em mão. Elucidei-os sobre o documento e a sua importância e que há várias classes profissionais que a têm e que é ali, naqueles bancos, que se começa a desenhar o futuro, que os pode levar um dia a serem eles a ter a sua carteira profissional.

Esclarecidas as dúvidas, os papeis inverteram-se. A primeira pergunta que lhes coloquei foi sobre se conheciam a razão pela qual os pais/encarregados de educação tinham escolhido aquela escola para os colocar.

O “não” foi a resposta inicial, mas com uma ajudinha o Gustavo Oliveira, com 9 anos, disse-nos que a escolha poderá ter sido pelo facto de aquela ser “uma boa escola” e de ser “uma escola católica”, adiantando que a família é católica.

O Gustavo disse-nos ainda que, uma vez que é finalista, vai “sentir saudades da escola”, mas que também “vai ter muitas recordações”. Mas se tivesse de dizer a alguém para vir estudar para a mesma escola que ele “os professores e as irmãs tentam ensinar-nos o melhor que podem” e isso, claro, é muito importante.

A Júlia Sousa também não sabia porque razão os pais tinham escolhido este estabelecimento de ensino, por isso levou a pergunta como TPC.  Seja como for, gosta muito de ali estar e diz levar para a vida valores como “a amizade, a partilha, verdade e a justiça”.

Sobre a Irmã Wilson, a Júlia, que quer ser “irmã, atriz ou cantora”, sabe que “ela veio para a Madeira para ajudar as pessoas” e que ficou conhecida, entre outras coisas, por ter criado várias escolas”. Sabe também que “foi reconhecida pelo povo, que a chamava de Boa Mãe”.

O Pedro Gonçalves também gosta de estudar no Externato. Diz que “as irmãs e os professores são simpáticos”. Por isso, vai certamente “sentir saudades” quando se for embora. Para além das coisas ‘obrigatórias’, aprendeu “coisas sobre a vida de uma pessoa que foi expulsa da Madeira, mas que depois voltou ainda com mais força e ficou conhecida como Boa Mãe, porque cuidava de muita gente”.

Leonor Rodrigues veio do Caniçal para estudar no externato, embora agora já viva em Machico. Pensa que a decisão dos pais teve a ver com o facto da “escola ser católica”. Sobre a Irmã Wilson sabe também que “ela foi presa”, mas que depois a libertaram e “ela voltou à Madeira”. Gosta de estar na escola, de Educação Física, da catequese.

Identificadas com os valores

“Para mim é importante dar aulas numa escola católica, porque é uma escola com a qual eu me identifico”. As palavras são da prof. Cláudia Costa, que dá aulas precisamente a estes meninos do quarto ano. E diz mais. Diz que nada é por acaso, explicando que se lembra de “com 12, 13 anos, ouvir a avó materna falar muito da Irmã Wilson e de ter livros sobre ela”. Já havia assim, “muitas marcas da Irmã Wilson na sua vida”, o que a deixa a prensar que, de facto, “não há coincidências”.

Ao ver o mundo como está, a prof. Cláudia acredita que a procura pelas escolas católicas vai sempre existir ou se calhar até aumentar. Ela própria, apesar de ter estudado numa escola pública, colocou os filhos ali.

Há 10 anos que a prof. Nélia Carvalho trabalha no Externado. Diz que se identifica com “os valores da escola” e sente-se livre para “transmitir esses mesmos valores”. Neste momento trabalha com um grupo de meninos do 2º ano, que precisam de uma atenção mais específica para atingirem os objetivos pretendidos.

Se tivesse de recomendar a algum pai/encarregado de educação a escola fá-lo-ia “lembrando os valores que são transmitidos, mas também a forma como as crianças são cuidadas e que esta é uma escola aberta, mas fechada naquilo que interessa e que tem a ver, nomeadamente com a segurança”.

A prof. Magda Henriques trabalha nesta escola há 20 anos, feitos no passado dia 16 de outubro. Diz que tanto ela como os restantes colegas estão ali há muitos anos e que todos se “identificam bastante com os valores”, os quais querem “passar para estas crianças, criando neles uma sementinha que cresça com eles”.

Já Sandra Ornelas, trabalha com os meninos mais pequeninos, os da sala dos 5 anos. O primeiro ano de serviço como Educadora de Infância, recorda, foi numa escola pública. Mas, entretanto, o contrato não foi renovado. Ao entregar a documentação para o desemprego na Delegação Escolar, a delegada diz-lhe que a Escola de Sant’Ana ia passar a tempo inteiro e que, se calhar, iam precisar de uma educadora. “Sem eu pedir nada, a senhora liga para a escola, fala com a irmã Fátima, conta a minha situação e manda-me vir cá, eu vim e fui logo contratada, acho que foi a Irmã Wilson a interceder por mim”. Vinte e um anos depois Sandra continua a trabalhar numa escola que ao contrário do que acontece com as públicas, “se trabalham mais os valores e onde as épocas festivas, neste caso religiosas, são vividas de outra forma”.

Por fim ainda ‘apanhamos’ desprevenida uma auxiliar de educação. A D. Fernanda Vasconcelos, já trabalha no Externato há 22 anos. Apesar de nunca ter tido a experiência de trabalhar noutra escola, nesta “sente-se feliz e privilegiada, por poder trabalhar com as irmãs, que são uma referência”, especialmente para quem como ela é “católica praticante”. O trabalho ali, garante, também “ajuda bastante na nossa vida pessoal”.

Um local por onde também não pudemos deixar de passar foi pela capela da instituição. Uma imagem de grande porte de Santa Ana não deixa ninguém indiferente. Segundo nos contou a prof. Nélia Carvalho, essa imagem “veio da América e foi oferecida por um tio da sogra”. Na altura, a imagem “veio em procissão desde o cais de Machico até aqui à Capela de Santa Ana e aqui ficou”.

E foi assim a nossa manhã. Uma manhã diferente para os meninos, mas para nós também, que ficamos a conhecer uma escola fundada pela própria Irmã Wilson, procurando fazer todo o bem que nos é possível, como ela dizia, o que neste caso passou por dar a conhecer uma das suas escolas.