Catedral do Funchal: Estrutura e altares das naves da Sé

Em memória dos 500 anos da dedicação da Sé do Funchal (1517-2017)

© Allie Caulfield

Por Cónego Vitor Gomes

Pároco da Sé do Funchal

 

Como já dissemos, nos primeiros séculos da sua existência, os diferentes altares da Sé, construídos e atribuídos a cada uma das confrarias, encontravam-se na zona do transepto e no espaço das actuais capelas de S. António e do bom Jesus. A partir das importantes obras realizadas em 1790, passaram para as naves laterais da Sé onde foram construídos arcos para colocar os altares, três de cada lado.

O corpo da Sé está dividido em três naves. A nave central, que é a mais alta, liga-se com as naves laterais por dez arcos góticos e com as capelas do transepto por dois arcos mais largos e mais amplos do que os restantes. A iluminá-la, como igualmente as naves laterais, foram feitas diversas frestas em estilo gótico. Para além da rosácea da fachada principal, há também um óculo aberto sobre o arco triunfal da capela-mor.

Da planta da Sé fez parte a construção duma cisterna que hoje não tem vestígios visíveis mas que, a ter em conta o testemunho de Henrique de Noronha em 1722, estaria cavada ou na nave central ou na lateral, mas sempre à direita de quem entra na Sé. O mesmo autor informa que foi mandada abrir, «com cinco braças de alto», pelo rei D. Manuel que para o efeito enviou de Lisboa uma «preciosa pedra da arrábida, inteiriça e com bela simetria lavrada». Nos inícios do século XVII, ela já não serviria uma vez que estava atupida embora, por essa data, houvesse ainda uma tentativa de a repor em funcionamento. A partir de 1790, altura em que foram construídos os altares das naves laterais, foi igualmente escavado um poço no exterior da Sé, mais precisamente no terreiro da sacristia para a construção do qual foi utilizada a antiga pedra da Arrábida oferecida por D. Manuel.

O púlpito da Sé e a pia baptismal são também uma oferta do rei D. Manuel e foram talhados em pedra da Arrábida. O púlpito para as pregações tem uma forma cilíndrica e é suportado por uma coluna de quase dois metros composta de base, fuste e capitel. A escada que dá acesso ao púlpito é maciça e tem um pequeno muro que serve de corrimão. Na parte exterior da escadaria estão esculpidas várias letras R que se pensa serem uma forma de assinatura dos pedreiros, assim como duas cabeças: uma coberta com um chapéu quinhentista e que é suposto ser de Gil Enes, o pedreiro-mestre da Sé; a outra, na parte inferior, parece ser uma figura de diabo. A cobertura do púlpito, isto é, o docel, é uma obra dos finais do século XVII, da mesma altura da construção dos altares nas naves laterais.

À esquerda de quem entra pela porta principal está o baptistério. O espaço é constituído por uma abóbada e dois arcos góticos, um dos quais possui sobre o seu fecho uma esfera armilar. A abóbada gótica é fechada por um florão. No tecto estão pintadas duas esferas armilares e duas cruzes de Cristo e, na parede oeste, as armas do rei D. Manuel. A pia baptismal, em pedra da Arrábida, tem o estilo dum cálice e uma boca em forma de decágono. O baptistério é iluminado por uma janela quadrada, aberta na parede norte, a qual deve ser posterior à construção do século XVI.

A boa colocação do coro da catedral foi, desde o início da sua construção, uma preocupação importante. O projecto inicial seria o de construir o coro junto à capela-mor mas o projecto não agradou às autoridades madeirenses que escreveram a D. Manuel pedindo-lhe que o coro fosse construído sobre a porta principal. A resposta foi-lhes favorável mas desconhecem-se as razões pelas quais a decisão não foi executada nessa altura. Pelo contrário, o coro foi instalado na sala da torre que fica sobre a sacristia. O coro comunicava com a capela de S. António por uma janela bipartida, hoje inexistente. Este espaço do coro tinha os seus inconvenientes pois ficava num recanto da catedral e não permitia a visibilidade sobre o altar-mor. Em 1587, o bispo do Funchal mandou construir uma plataforma para o órgão à entrada da capela-mor. Em 1748, a torre da Sé ficou seriamente danificada com um terramoto e o cabido foi obrigado a fechar a janela do coro que dava para o altar de S. António. Um novo coro foi então construído à entrada da Sé, sobre a porta principal. A construção do coro grande da Sé não fez desaparecer o coro antigo, construído à entrada da capela-mor. Este coro antigo só foi demolido em 1925.

O rei D. Manuel ofereceu um órgão à Sé para que fossem solenizadas as celebrações litúrgicas nos Domingos e festas de guarda. Este instrumento durou poucos anos uma vez que em 1566 os corsários franceses queimaram-no. Gaspar Frutuoso nas Saudades da terra diz que os órgãos foram «queimados e derretidos»[1]. Este órgão encontrava-se inicialmente na Capela de S. António e sobre o altar de S. Roque. Nos princípios do século XVII, o rei D. Filipe ofereceu um novo órgão à Sé que foi colocado numa tribuna por cima da pia baptismal. O órgão foi feito por um mestre de Córdova de nome João Manuel. Em 1739, o rei D. João ofereceu um novo órgão à Sé que foi colocado no coro à entrada da capela-mor. Em 1922, este instrumento foi desarmado para consertar o órgão oferecido pelo rei D. Filipe que estava então em mau estado e que hoje se encontra, já restaurado, na Igreja do Colégio. O actual órgão de tubos foi comprado à Igreja inglesa da Rua do Quebra costas no ano de 1936.

Os altares das naves laterais

Em 1791, as paredes das naves laterais da Sé foram parcialmente desmontadas e de novo remontadas e engrossadas, de forma a suportarem a construção de seis arcos neogóticos para onde foram transferidos os altares das confrarias, até então montados na zona do transepto. Esta passagem dos altares para as naves laterais gerou, no entanto, algumas resistências da parte das confrarias da Sé. Estes altares têm um desenho geral semelhante. Para além de algumas variantes nos detalhes dos marmoreados ou nalguns pormenores decorativos, há em cada um dos altares uma grande tribuna central, mesmo quando ela é preenchida por uma tela, como acontece com o altar das almas, da autoria de Nicolau Ferreira que a pintou em 1800. Nos restantes altares, não há telas mas os nichos centrais onde estão as imagens de Cristo e dos santos têm diversas decorações floridas. As tribunas são ladeadas por um par de colunas e os panos laterais dos altares têm uma mísula de suporte da imagem dum santo e são rematadas na parte superior por baldaquinos. Os altares foram construídos pelo mestre Estêvão de Nóbrega e pintados por Nicolau Ferreira Duarte.

Na nave lateral do lado sul, temos o altar de S. Miguel Arcanjo, sendo a imagem do arcanjo adquirida pela antiga confraria de S. Miguel, nos fins do século XVII. A seu lado, estão as imagens dos princípios do século XVII de S. Crispim e S. Crispiniano, dois irmãos mártires e padroeiros dos sapateiros.

Segue-se ao altar de S. Miguel o de S. José, com a imagem de S. José e o menino ao centro, imagem adquirida pela confraria de S. José no século XVIII. A seu lado, estão as imagens de dois santos bispos: Santo Ambrósio e S. Agostinho. O altar é o único que na Sé possui um frontal em prata. Sobre o altar, encontra-se hoje a imagem de Nossa Senhora do Rosário do século XVII.

Depois do altar de S. José, temos o de Nossa Senhora do Rosário onde está actualmente a imagem de Nossa Senhora de Fátima, colocada aí em 1951 e obra de José Ferreira Thedim. A seu lado, estão duas imagens do século XVII: S. João Batista e S. João evangelista.

Na nave lateral norte, a partir do transepto, temos o altar do Senhor do milagre. Ao centro está Cristo crucificado, uma imagem do século XV pertencente ao antigo convento de S. Francisco e objecto de muita devoção por causa do milagre que lhe era atribuído: um dos seus braços tinha-se movido durante uma celebração no século XV. Aos lados da imagem do Senhor está uma escultura do século XVIII de S. Rita e outra, mais antiga, de S. Judas Tadeu, do princípio do século XVII. A festa do Senhor do Milagre celebrava-se todos os anos no seu altar e no dia 26 de Dezembro.

Depois do altar do Senhor do milagre, temos o altar de Nossa Senhora da Conceição. A imagem central de Nossa Senhora da Conceição deve vir do antigo altar pertencente à confraria da Conceição. Nossa Senhora tem a seu lado os seus pais, S. Joaquim e S. Ana, imagens da primeira metade do século XVII. Estão no altar ainda outras duas imagens do século XVII, S. Bento e o Apóstolo S. Simão.

Finalmente, o altar das almas possui uma tela representando S. Miguel e as almas do purgatório pintada em 1800 por Nicolau Ferreira. A seu lado, estão duas imagens do século XVII, de Santo Amaro e de S. Roque.

[1] Gaspar Frutuoso, As saudades da terra, p. 271 citado pelo P. Pita Ferreira, op. cit., p. 319.