Fala-se muito dos direitos humanos e dos progressos na sua defesa, mas serão assim tantos que não se estejam a desenvolver tendências opostas, de negação da dignidade das pessoas? Nas famílias, grupos sociais e organizações políticas e comerciais pode faltar respeito pelas pessoas. Um jovem em sessão de ajuda psicológica lamentava não ser animado e reconhecido pelo pai mesmo nas boas ações que fazia. Só indiferença e repreensões. Um amigo convidou-me para almoçar em casa dele com a família. Seria experiência agradável de convívio, mas nem por isso: sucederam-se palavras ásperas ora às filhas, ora ao filho, ora à mulher, afinal por pequenas coisas, à mesa; tudo era pretexto para palavras implicativas.
Tem-se recorrido a eufemismos para ser inclusivo e respeitoso com certas categorias de pessoas evitando termos estigmatizantes. O termo invisual substituiu cego; pessoas com doença mental, doentes mentais; pessoas sem abrigo em vez de gente da rua; toxicodependentes em vez de drogados; pessoas com trissomias 21 em vez de mongolóides e muitos outros. Nem sempre se consegue evitar as ambiguidades. Os técnicos desta ou daquela área e os legisladores vão recorrendo a novas expressões: pessoa portadora de deficiência, pessoa com necessidades especiais e outras. Fui assistente religiosos da Associação de Fé e Luz durante doze anos em que se vinha mudando a expressão de deficientes para pessoas deficientes. Em 1981 as Nações Unidas proclamaram o ano de pessoas deficientes, mas caiu-se na conta de que pessoa é pessoa e depressa se foi adotando pessoas com deficiência. Nalgumas associações começou-se a usar a expressão pessoas especiais ou com necessidades especiais. Outro exemplo da minha experiência de mais de cinquenta anos foi o termo alcoólicos que os técnicos substituíram por pessoas com problemas ligados ao álcool (PLAs) e dependentes do álcool. Estamos num terreno muito dinâmico que vai evoluindo para ir ao encontro do respeito pelas pessoas sem as humilhar e escarnecer. No dicionário não faltam palavras como achincalhar, zombar, ridicularizar. E há situações de pessoas que não deixam de ter a sua dignidade essencial, mesmo quando passam por situações muito negativas. As situações de suspeitos e arguidos de crimes, abusos, corrupções, condenações pela justiça, presos, oferecem desafios melindrosos à comunicação social e aos humoristas. Mas nem por isso ficam destituídos da dignidade fundamental de pessoas. Será que já poderão ser achincalhados e ridicularizados como se tivessem perdido o direito ao respeito da sociedade. Por vezes, assistimos ao paradoxo de se pedir respeito para os animais, não os fazer sofrer, e esquecer-se das pessoas.
As instituições da justiça aplicam o direito penal, mas não castigos de zombaria, escárnio e práticas de humilhação, embora isso possa acontecer, por abuso, nas cadeias, nos campos de concentração e nos gulags. Torna-se muito estranho que algumas televisões nos seus programas aceitem humorismo grosseiro de humilhação e desprezo. Em tempo de Semana Santa faz pensar que se exibam programas de televisão para distrair o público que supostamente aplaude (será claque publicitária gravada?) o achincalhamento, zombaria e troça desta e daquela pessoa por eventualmente ter sido má, injusta, violadora. Será que ser arguido, ser inquirido, condenado, permite a estes meios achincalharem essas pessoas sem respeitar a sua dignidade fundamental? A liberdade de expressão justifica tudo? Por ser mau, criminoso, parece ter perdido a dignidade moral, mas não perde a ontológica. Achincalhar a pessoa sem empatia não será desumano e uma falta de respeito ao Criador e às pessoas que nunca deixam de ser pessoas (cf. Declaração sobre a Dignidade humana, nº 7).
Dão que pensar os Evangelhos que registam os abusos de desprezo, humilhação, zombaria que se deram no julgamento de Jesus Cristo no Sinédrio, no tribunal de Pilatos e já crucificado. A palavra de Mateus é mesmo «escarneciam-no», e as de Lucas «troçavam dele» e «toçavam d’Ele». Foi tratado como rei de escárnio e estava inocente e perdoou aos que zombaram d’Ele.
Entre tantos crimes estão-se a divulgar certas perversões por vídeo que revitimizam as pessoas violadas por dezenas voyeurs levando tudo para a chacota e banalidade. Será humor negro? Em psicopatologia esse exibicionismo considera-se uma psicopatologia preocupante que está a alastrar. Alguns (Hannah Arendt, por exemplo) defendem que a autoridade se abastece da religião, da sabedoria de tradição imorredoira e de algum poder para educar se o quer usar.
Funchal, Semana Santa, 2025