Segundo uma sondagem BVA/Psychologie magazine, 82% das pessoas interrogadas preferia morrer sem de tal se dar conta. Não queremos pensar na morte, contudo, confirma-se que é apaziguante olhar a morte de frente e preparar-se para ela. Se cada fase da nossa vida tem um valor próprio, o final da vida é talvez a fase mais importante. “Vive mal quem não sabe morrer” Séneca
Abordar esta questão leva-nos hoje, inevitavelmente, à pergunta: eutanásia sim ou não…ou, porque não cuidados paliativos? O que está em causa, o que distingue opções tão contraditórias? A eutanásia é sempre uma ação ou uma omissão deliberada cuja intenção é dar a morte ao paciente: injetar um produto letal ou parar os cuidados elementares (alimentação, hidratação…). Os cuidados paliativos não têm como finalidade curar, mas prestar assistência ao doente em final de vida. Para além dos cuidados elementares, incluem ainda os tratamentos necessários para aliviar o sofrimento e reduzir a angústia.
O sofrimento insuportável no fim da vida e uma peculiar ideia de morte digna são as razões que levam alguns a defender a eutanásia enquanto outros, rejeitando a prática da eutanásia, defendem os cuidados paliativos.
Mas, e quando o sofrimento é insuportável? Nos cuidados paliativos a luta contra todo o tipo de sofrimento é uma prioridade e nela se aplicam todos os meios conhecidos incluindo, se necessário, analgésicos muito fortes como a morfina e os neurolépticos com o objetivo de aliviar a dor acautelando a obstinação terapêutica. O sofrimento moral que acompanha frequentemente a dor física pode ser atenuado com acompanhamento e tratamento médico apropriado. Contrariamente, na eutanásia suprime-se o paciente provocando a sua a morte em vez de suprimir a dor.
Como se entende a “morte digna”? A dignidade é o estatuto incondicional do ser humano, é a própria essência do humano. Todo o ser humano é digno qualquer que seja o seu estado: jovem ou velho, doente ou saudável, deficiente ou não, consciente ou inconsciente.
A eutanásia é ainda uma questão fraturante na nossa sociedade. No entanto, já em 2018 (!) o deputado António Filipe afirmava perentoriamente: “O princípio constitucional da inviolabilidade da vida humana implica, a defesa da vida e da dignidade da pessoa humana” E continuava, “a vida humana não é digna apenas enquanto pode ser vivida no uso pleno das capacidades e faculdades físicas e mentais. (…) recusa-se, por isso, a ideia de que uma pessoa “com lesão definitiva ou doença incurável” ou “em sofrimento extremo” seja afetada por tal circunstância na dignidade da sua vida.” Também indicava com clareza a opção “pelos cuidados paliativos, incluindo domiciliários” alertava para a cautela em tratamentos adequados com “a garantia do direito de cada um a recusar submeter-se a determinados tratamentos, a garantia de a prática médica não prolongar artificialmente a vida”; salientava a importância do “desenvolvimento, aperfeiçoamento e direito de acesso de todos à utilização dos recursos que a ciência pode disponibilizar, de forma a garantir a cada um, até ao limite da vida, a dignidade devida a cada ser humano. (…) mobilizar os avanços técnicos e científicos para assegurar o aumento da esperança de vida e não para a encurtar.” Finalmente, referia a legislação: “cada cidadão dispõe já hoje de instrumentos jurídicos como o “testamento vital” para fazer valer a sua decisão individual quanto a atos clínicos que pretenda, ou não, receber. A prática médica garante o não prolongamento artificial da vida, respeitando a morte como processo natural e recusando o seu protelamento através da obstinação terapêutica.” (1)
Eutanásia, sim ou não? Obviamente, Não! Como princípio ético considera-se que em vez de provocar a morte (pela eutanásia) com o pretexto de abreviar o sofrimento (físico ou moral), é preciso aliviar a dor até à morte natural. Morrer com dignidade implica, também, ser respeitado na vontade expressa no testamento vital e não ser meramente vítima de eutanásia.
«O final de vida é muitas vezes um tempo forte da vida: não roubemos estes momentos íntimos, não nos apropriemos nós deles». (2) A aceitação da morte pela sociedade permitiria apoiar a pessoa no final de vida permitindo ao doente morrer em sua casa, rodeado da afeição e do amor da sua família.
Finalmente, é muito importante precisar: Compete-nos esclarecer e ajudar. Porque precisamos de “uma atitude de prudência e firmeza, mantendo o rumo e firmando o leme.”
Maria Romano
Nota: para uma informação objetiva e acessível sobre este e outros temas da bioética, consultar o “Manual de Bioética para jovens” Publicado, em Portugal, pela Associação Famílias e pela ADAV – Coimbra – Publicado, em França, pela Fondation Jérôme Lejeune
(1) «A dignidade da vida não se assegura com a consagração legal do direito à antecipação da morte» – intervenção de António Filipe na assembleia de república – 29 Maio 2018
(2) Marie de Hennezel, psicóloga clínica, especialista em questões ligadas ao fim de vida e autora de numerosos livros sobre este assunto. Valeurs actuelles, 1er-7 septembre 2011.