D. Américo Aguiar: Cidadania político-partidária está a ficar cansada

Foto: Duarte Gomes

“A nossa cidadania político-partidária está a ficar cansada”. As palavras são do Cardeal D. Américo Aguiar que, em recente visita à Diocese do Funchal, falou aos jornalistas e neste particular ao Jornal da Madeira, sobre a situação no país e nas ilhas, onde “já fomos chamados para votar para tudo e mais alguma coisa, faltando só a presidência da República”. 

“Tem havido um ginásio tão ativo, naquilo que foram e que são os desafios, que está a causar este desgaste”, vincou o cardeal. 

Embora seja o primeiro a dizer que, por um lado, “isso é bom” porque é o exercício da cidadania a funcionar e “sempre que há dúvidas é sempre bom devolver a palavra ao povo soberano”, é preciso “ter em conta que isto vai criando desgaste e que as pessoas vão ficando cansadas”.

E há mais. “Naquilo que foram as Eleições Europeias recentes, o que pode acontecer é o cidadão comum começar a desligar-se, começar a não entender os discursos, as entrevistas e os debates por não lhe corresponderem aos seus problemas do dia a dia e por vezes se transformarem no diz que disse. E quando isso acontece, “o cidadão comum perde o fio à meada e deixa “de acompanhar as situações”.

“Neste cenário há uma coisa que me preocupa”, acrescentou ainda o cardeal, referindo-se às pessoas que se “disponibilizam para ser candidatos ao que quer que seja”. É que, disse, qualquer dia não há ninguém a querer concorrer. 

Entre o martírio e a loucura

“Já hoje eu digo que ser candidato é qualquer coisa que deve ficar entre o martírio e a loucura”, frisou D. Américo, para logo acrescentar que “hoje ser candidato seja à câmara, seja à junta, seja ao governo, seja à associação recreativa, cultural e musical não sei de onde, qualquer coisa que signifique se disponibilizar para ser votado, é algo que devemos agradecer muito”. 

Em muitas geografias do país, constatou, “vamos começando a ter dificuldades em completar listas… e ainda recentemente vi uma notícia que dizia que, no país todo, mais de 50 autarcas, presidentes de Câmara, já não se podem candidatar por causa da limitação de mandatos o que é uma revolução”.

Perante todos estes cenários D. Américo Aguiar defende que “temos de refletir sobre todas estas questões, nomeadamente sobre a limitação dos mandatos porque há aqui qualquer coisa que nós estamos a perder, que é o conhecimento, uma aprendizagem acumulada de alguém, de uma equipa que, durante 12 anos chegou, conheceu, sonhou, projetou e que acabou”.

Temos de refletir sobre estas realidades e “refletir sem tabus”. De resto, no nosso país “falta-nos um bocadinho a possibilidade de nos sentarmos – direita, esquerda, verde, amarelo, gordo, baixo – para saber o que é que cada um acha, até encontrarmos o melhor caminho”. 

Por vezes, diz D. Américo Aguiar, “há decisões e alterações, podíamos falar desde a limitação de mandatos, ao Serviço Militar Obrigatório, passando pela fundição de freguesias, mas não falamos porque não nos sentamos para refletir”.

A Jornada Mundial da Juventude, explicou, foi um exemplo disso. “quando nós temos um objetivo comum, nós somos os melhores e somos capazes de fazer coisas espetaculares. Mas quando cada um puxa para o seu lado, cada um quer só corresponder ao que lhe interessa, aos seus objetivos ou dos seus, a certa altura começamos a ter franjas da sociedade que ficam desprotegidas”. 

E nós olhamos para a nossa sociedade e “não nos podemos esquecer das 400 mil pessoas que estão pendoradas no processo de legalização no país e que sofrem e que têm as vidas suspensas e que são, como dizia a Procuradora da Justiça, alvos fáceis de exploração. Tudo isto mexe e tudo isto mexe todos os dias porque a vida das pessoas acontece dia a dia”.

“D. António Francisco, que foi bispo do Porto, dizia que os pobres não podem esperar, quem está aflito, quem está doente, tem fome, tem uma dificuldade tem sempre dificuldade em esperar”, citou o cardeal, explicando que tudo isto carece de discussão, debate e planeamento, para se chegar a soluções que possam efetivamente resolver problemas concretos das pessoas.