O bispo do Funchal presidiu na manhã deste domingo, dia 24 de março, na Sé do Funchal, à Eucaristia do Domingo de Ramos, dia em que se celebra a entrada solene de Jesus em Jerusalém, que marca o começo da Semana Santa e prepara os cristãos para reviver a Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor.
Uma oportunidade para o prelado desafiar os cristãos a procurar, “ao longo desta Semana Santa, fazer “nossos os gestos e atitudes” das mulheres que acompanham o Senhor ao longo da sua vida. “Com ousadia, procuraremos corresponder ao seu amor, pedindo-lhe que não nos deixe nunca cair na atitude cobarde de quem foge, mas sempre perdoe o nosso pecado e nos ajude a ser seus verdadeiros discípulos!”
As mulheres de que falava D. Nuno Brás, “estavam a observar de longe”. Entre elas Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e de José, e Salomé, que acompanhavam e serviam Jesus, quando estava na Galileia, e muitas outras que tinham subido com Ele a Jerusalém”.
O serviço destas mulheres, a sua companhia, iniciada na Galileia, “continua, persistente, unindo-se, de longe, ao Senhor que encontra o seu olhar e partilha com elas os momentos decisivos. São tão persistentes (ao contrário dos Doze), que mesmo depois da descida da cruz, S. Marcos diz que “observavam o lugar onde Jesus tinha sido depositado”.
Já os doze, recordou o prelado, escolhidos no início da sua vida pública e com quem o Senhor partilhou a Última Ceia, foram os mesmos que o abandonaram. Três, Pedro, Tiago e João, não cumpriram com o que lhes foi pedido, Pedro e Judas até o traíram.
Não raras vezes, nós somos como estes discípulos. Não ficamos e vigiamos com Ele, não partilhamos a oração e o sofrimento do Senhor e ao contrário de Pedro não somos capazes de reconhecer o nosso pecado e de o chorar.
Temos ainda a figura de Simão de Cirene, em quem “encontramos todos os que vêm de uma cultura diferente da nossa, mas que, não sendo ainda cristãos, se deixam transformar, converter, quando os seus caminhos se cruzam com os de Jesus”. Já nós não “acolhemos os estrangeiros e os convidamos à fé”. Simão depois de ajudar Jesus a levar a cruz até ao Calvário, se tornou um verdadeiro discípulo, um cristão.
Depois temos a mulher anónima. Aquela que “é a corporização do verdadeiro discípulo. Ela professa a fé da Igreja não com palavras mas com acções. Os seus gestos são uma antecipação e um resumo dos acontecimentos que teriam lugar em breve, revelando, antecipadamente, o seu significado mais profundo”.
Ao derramar um inteiro frasco de nardo pela cabeça de Jesus, explica o prelado, “aquela mulher, figura da Igreja, figura do verdadeiro discípulo, reconhece Jesus como o Messias, o Cristo, o Ungido, o Salvador. O próprio Jesus diz que se trata de antecipar a sua sepultura, o Mistério pascal da sua morte e ressurreição, vivendo o qual nos tornamos cristãos!”.
D. Nuno Vinca mesmo que, “o gesto simbólico daquela mulher é pois, por um lado, o reconhecimento do amor precioso de Deus por toda a humanidade, concretizado (e como!) no mistério pascal de Jesus. E, ao mesmo tempo, é sinal do amor com que a Igreja (todo o povo de Deus) corresponde ao amor de Deus manifestado na Páscoa de Jesus — atitude que recorda a esposa do Cântico dos Cânticos: “O meu nardo exalou o seu perfume. O meu amado é para mim” (Cant 1,12b-13a).”
“No início da narração do evangelho da Paixão segundo S. Marcos, e no seu final, encontramos a Igreja, a mulher. No início, a mulher professa publicamente a fé em Jesus Cristo salvador e mostra como todo o mistério pascal é uma questão de amor — amor que Deus tem por todos e amor que queremos ter por Ele. E, no final, aquelas outras mulheres (Maria Madalena e Maria, mãe de José), com o olhar, acompanham o Senhor que era depositado no sepulcro, como que aguardando uma outra palavra (para elas ainda desconhecida): a “palavra da ressurreição”, frisou.
Ao mesmo tempo que nos “devemos tristemente reconhecer naquelas figuras de discípulos que abandonam o Senhor, procuremos, ao longo desta “Semana Santa”, façamos nossos os gestos e atitudes destas mulheres que acompanham o Senhor. Com ousadia, procuremos corresponder ao seu amor, pedindo-lhe que não nos deixe nunca cair na atitude cobarde de quem foge, mas sempre perdoe o nosso pecado e nos ajude a ser seus verdadeiros discípulos!”, concluíu.
A anteceder esta Eucaristia teve lugar a Bênção dos Ramos na Igreja do Colégio, seguindo-se a procissão até à Sé. À entrada de ambos os templos, onde acorreram muitos fiéis, podiam-se adquirir os ramos. Um momento que é sempre aproveitado por algumas pessoas para fazer o seu negócio que, este ano, ao que nos disseram, estavam a ter vendas superiores às do ano passado.
Leia na íntegra a Homilia de D. Nuno Brás neste Domingo de Ramos:
DOMINGO DE RAMOS DA PAIXÃO DO SENHOR
Sé do Funchal, 24 de Março de 2024
“Tu também estavas com Ele”!
Ao longo da narração que acabamos de escutar, São Marcos apresenta várias figuras de discípulos de Jesus. Por isso, a nós, que hoje somos os seus discípulos, convém-nos tomar a sério a interpelação daquela criada do Sumo-Sacerdote a Pedro: “Tu também estavas com Jesus, o Nazareno!”. Portanto, olhando para as várias figuras de discípulos, perguntemo-nos: e eu, como é que no início desta Semana Santa me disponho a estar com Jesus?
Olhemos, em primeiro lugar, os Doze. Jesus tinha-os escolhido, no início da sua vida pública, para estarem consigo e para os enviar (Mc 3,14). Com eles, tinha partilhado a sua vida e o seu ministério. Formavam uma comunidade de vida, de onde surgiria a Igreja. Foi com eles que o Senhor quis partilhar a Última Ceia.
Contudo, são estes mesmos Doze que, durante a refeição, escutam a afirmação de Jesus: “Um de vós, que está comigo à mesa, há-de entregar-me”. S. Marcos diz-nos que ficaram tristes e inseguros; que procuravam saber a identidade do traidor. Mas Jesus é ainda mais enigmático: “É um dos Doze, que mete comigo a mão no prato”. E se o nosso pensamento se dirige logo para Judas, o traidor, não podemos deixar de nos interrogar sobre o significado desta indefinição de Jesus, que parece querer abranger-nos a todos — sobretudo quando, pouco depois, escutamos que, perante a prisão do Senhor, “Deixaram-no e fugiram todos”. E nós, que comungamos o Corpo e o Sangue do Senhor em cada Eucaristia, quantas vezes fugimos e O abandonamos?
Do grupo dos Doze fazem parte “Pedro, Tiago e João”, aqueles discípulos que Jesus convida a partilhar de perto a sua luta interior, a sua oração de Filho, o seu acolhimento até ao fim da vontade do Pai. “Ficai aqui e vigiai comigo”, pede-lhes o Senhor. Pouco depois, “encontrou-os a dormir, porque tinham os olhos pesados e não sabiam o que responder”. E nós? Como partilhamos a oração e o sofrimento do Senhor? Como vigiamos com Ele?
É certo: Pedro não abandonou imediatamente Jesus. Seguiu-O, de longe, até ao interior do Palácio do Sumo-Sacerdote, conseguindo sentar-se à fogueira, junto dos guardas. Mas, questionado pela criada, respondeu: “Não sei nem entendo o que dizes”; “Não conheço esse homem de quem falas”. Ele, que tinha assegurado: “Embora todos te abandonem, eu não!”. E nós? Quantas vezes negámos conhecer o Senhor, dar testemunho dele diante de todos?
Judas, também ele era membro dos Doze. Foi ele quem entregou Jesus: “Aquele que eu beijar, é esse mesmo. Prendei-o”. Com um sinal de amizade, Judas trai o Senhor, talvez desiludido porque Jesus não correspondeu às suas expectativas, não agiu nem tomou as decisões que ele julgava serem necessárias… E nós? Quantas vezes abandonámos Jesus porque a vida não correspondeu aos nossos planos?
Mas, se virmos bem, a traição de Pedro não se distingue tanto da traição de Judas, a não ser (e é tão importante!) pelo facto de Pedro se ter recordado do que Jesus lhe dissera, e ter começado a chorar. Sim: Pedro foi capaz de reconhecer o seu pecado e de o chorar — S. Lucas acrescenta um pormenor: Pedro reconheceu ser pecador quando o seu olhar se cruzou com o de Jesus! E nós? Somos capazes de reconhecer o nosso pecado e de o chorar?
Temos ainda a figura de Simão de Cirene. Se era de Cirene (uma cidade situada hoje na Líbia), era um imigrante, um estrangeiro que não fazia parte do povo judeu. Mas S. Marcos acrescenta: “pai de Alexandre e de Rufo”, o que significa que Simão, depois de ajudar Jesus a levar a cruz até ao Calvário, se tornou um verdadeiro discípulo, um cristão depois de ajudar Jesus a levar a cruz até ao Calvário, se tornou um verdadeiro discípulo, um cristão — de tal modo que os seus filhos eram conhecidos da comunidade cristã para quem Marcos escrevia (“Alexandre e Rufo”). No Cireneu, encontramos todos os que vêm de uma cultura diferente da nossa, mas que, não sendo ainda cristãos, se deixam transformar, converter, quando os seus caminhos se cruzam com os de Jesus. E nós? Como acolhemos os estrangeiros e os convidamos à fé?
S. Marcos refere também um grupo de mulheres: “Estavam também ali umas mulheres a observar de longe, entre elas Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e de José, e Salomé, que acompanhavam e serviam Jesus, quando estava na Galileia, e muitas outras que tinham subido com Ele a Jerusalém”. O serviço destas mulheres, a sua companhia, iniciada na Galileia, continua, persistente, unindo-se, de longe, ao Senhor que encontra o seu olhar e partilha com elas os momentos decisivos. São tão persistentes (ao contrário dos Doze), que mesmo depois da descida da cruz, S. Marcos diz que “observavam o lugar onde Jesus tinha sido depositado”. E nós? Mesmo de longe, como acompanhamos o Senhor? Como fazemos nossas as suas dores e os dons da sua salvação?
Por fim, o evangelista fala de “José de Arimateia, ilustre membro do Sinédrio, que também esperava o reino de Deus” — ou seja: que também era discípulo, cristão. E diz como José “foi corajosamente à presença de Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus”. “Comprou um lençol, desceu o corpo de Jesus e envolveu-O no lençol; depois depositou-O num sepulcro escavado na rocha”. E nós? Qual a nossa coragem para cuidarmos do Senhor, da sua Igreja, o seu Corpo sofredor e perseguido, diante dos poderosos?
Com o gesto ousado de José de Arimateia, tudo parecia terminado. Tudo parecia dar razão aos que tinham fugido, abandonado Jesus. Todos os acontecimentos pareciam dar razão a Judas e a Pedro… Mas falta-nos ainda uma outra figura de discípulo. Porque S. Marcos nos apresenta, logo no início, uma mulher anónima que, seis dias antes da Paixão, tinha interrompido uma refeição de Jesus. Não sabemos o seu nome. É apenas “uma mulher” — S. Marcos usa a palavra grega usada também por S. João para falar de Nossa Senhora, mostrando-a figura da Igreja (“mulher”, γυνὴ)!
De facto, esta mulher é a corporização do verdadeiro discípulo. Ela professa a fé da Igreja não com palavras mas com acções. Os seus gestos são uma antecipação e um resumo dos acontecimentos que teriam lugar em breve, revelando, antecipadamente, o seu significado mais profundo. Com efeito, ela interrompe a refeição com um objectivo aparentemente inútil: traz consigo “um vaso de alabastro com perfume de nardo puro de alto preço. Partiu o vaso de alabastro e derramou-o sobre a cabeça de Jesus”, diz o evangelista. Porquê esta urgência? Porquê esta necessidade? Porquê este desperdício de dinheiro? É apenas um acto de loucura?
Os discípulos pensam que sim. O valor do nardo derramado seria superior ao salário de um ano inteiro de trabalho. “Desperdício de dinheiro”, dizem uns. “Podia vender-se e dar aos pobres”, afirmam outros. Só Jesus e a mulher vêem mais longe.
O nardo, ainda hoje um perfume caríssimo, vindo das zonas da Índia e da China, era usado em Israel para confeccionar o incenso oferecido a Deus no Templo, bem como o óleo com que eram ungidos os reis e sacerdotes. Ao derramar um inteiro frasco de nardo pela cabeça de Jesus, aquela mulher, figura da Igreja, figura do verdadeiro discípulo, reconhece Jesus como o Messias, o Cristo, o Ungido, o Salvador. O próprio Jesus diz que se trata de antecipar a sua sepultura, o Mistério pascal da sua morte e ressurreição, vivendo o qual nos tornamos cristãos!
O gesto simbólico daquela mulher é pois, por um lado, o reconhecimento do amor precioso de Deus por toda a humanidade, concretizado (e como!) no mistério pascal de Jesus. E, ao mesmo tempo, é sinal do amor com que a Igreja (todo o povo de Deus) corresponde ao amor de Deus manifestado na Páscoa de Jesus — atitude que recorda a esposa do Cântico dos Cânticos: “O meu nardo exalou o seu perfume. O meu amado é para mim” (Cant 1,12b-13a).
No início da narração do evangelho da Paixão segundo S. Marcos, e no seu final, encontramos a Igreja, a mulher. No início, a mulher professa publicamente a fé em Jesus Cristo salvador e mostra como todo o mistério pascal é uma questão de amor — amor que Deus tem por todos e amor que queremos ter por Ele. E, no final, aquelas outras mulheres (Maria Madalena e Maria, mãe de José), com o olhar, acompanham o Senhor que era depositado no sepulcro, como que aguardando uma outra palavra (para elas ainda desconhecida): a “palavra da ressurreição”.
E nós? Como aquela criada, muitos nos dirão: “Tu também estás com Jesus o Nazarenos”! Ao mesmo tempo que nos devemos tristemente reconhecer naquelas figuras de discípulos que abandonam o Senhor, procuremos, ao longo desta “Semana Santa”, façamos nossos os gestos e atitudes destas mulheres que acompanham o Senhor. Com ousadia, procuremos corresponder ao seu amor, pedindo-lhe que não nos deixe nunca cair na atitude cobarde de quem foge, mas sempre perdoe o nosso pecado e nos ajude a ser seus verdadeiros discípulos!