Eleutherius Chorus: Os jovens que solenizam Eucaristias em Câmara de Lobos

D.R.

A Associação Cultural Eleutherius Chorus é muito recente. Nasceu apenas em dezembro passado. Mas o grupo que lhe deu origem, esse, já nasceu há sete anos. 

O nome do coro é uma homenagem ao Pe. Eleutério Ornelas, que na altura ainda “barafustou”, mas acabou não levando a melhor. 

É este o grupo que hoje lhe vamos procurar dar a conhecer um pouco melhor. Para isso, estivemos à conversa com o casal Rui e Tânia Sousa, os seus responsáveis e integrantes. 

Quem os quiser ver, e sobretudo escutar, pode participar na missa das 11 horas, em São Sebastião, Câmara de Lobos. Por todas as razões e mais alguma verá que será um tempo bem empregue.

Quando e com que objetivo nasce o Eleutherius Chorus, que depois se transforma em associação?

Rui Sousa – Nascemos há uns sete anos. Na altura eu e a minha esposa, que participávamos na Eucaristia em São Sebastião, fomos convidados para ler pelo Pe. Neves. Apesar de não ser uma coisa de que goste muito, o ler em público, lá aceitamos. Nessa altura, na Missa das 10 horas não havia coro, era meu pai que cantava uns cânticos. Nessa altura, o Pe. Eleutério era o vigário Paroquial e muitas vezes era ele que presidia a essa Missa das 10 horas. Meu amigo, foi meu professor de Latim no seminário, amigo da minha família sabia que eu tocava. Durante mais de um ano no café que sempre seguia à Eucaristia, ele dizia-me que esta era uma missa morta, que eu devia usar um dom… houve um dia que eu disse: parou! Para a semana eu vou lá com a viola e toco uns cânticos. Lá fui ao baú buscar as coisas que tinha.

Tânia Sousa – Nessa altura, eu ficava sentada no banco da frente com o meu filho, que estava a dar os primeiros toques no bandolim e que me diz: “mamã é muito triste ver o papá ali sozinho”. Eu expliquei-lhe que o pai estava só, mas que estava feliz, porque estava a fazer o que gostava. Mas ele disse-me que ia pedir ao pai para lhe tirar uns acordes para o bandolim, para acompanhar o pai nalguns cânticos como Santo, o Senhor, no Cordeiro e no Pai Nosso. Assim foi. Passados uns domingos começaram a tocar os dois e eu fiquei sozinha no banco a vê-los. Foi num desses domingos que me lembrei que podia chamar os amigos dele da catequese. Tudo começou a partir daí.

Um verdadeiro grupo de raiz familiar…

Rui Sousa – É verdade. Depois começamos a ensaiar. E lembro-me que fomos convidados para cantar umas bodas. Gostaram tanto de nos ouvir que nos deram 75 euros. Nós só tínhamos o bandolim e a viola. Então, resolvemos pegar no dinheiro e fomos comprar um djembé. Não ficou troco para um café… pegamos num miúdo e pusemo-lo a tocar de raiz.

“há uma coisa que nós fazemos que é um retiro anual de quatro dias, nas férias de verão. Inicialmente, começamos a fazer só com o Pe. Eleutério que ficava lá connosco e nos ajudava a trabalhar vários temas que os miúdos sugeriam”

Mas trabalhar com miúdos nunca foi e nunca vai ser coisa fácil. Da música cuida o Rui e a Tânia?

Tânia Sousa – A minha responsabilidade é interagir com os miúdos, combinar os ensaios, combinar boleias e perceber como que é os miúdos estão. Tem de haver disciplina e regras para que as coisas corram bem, mas também é preciso perceber quando um deles não está bem. Depois, há uma coisa que nós fazemos que é um retiro anual de quatro dias, nas férias de verão. Inicialmente, começamos a fazer só com o Pe. Eleutério que ficava lá connosco e nos ajudava a trabalhar vários temas que os miúdos sugeriam. Posso dizer que os retiros foram e são um ponto alto da vida desde grupo. A Eucaristia é importante porque nos une, mas os retiros eram um momento diferente, de partilha, de sigilo para que todos consigam falar de tudo e mais alguma coisa. Entretanto, o Pe. Eleutério faleceu e no primeiro retiro depois disso não convidamos ninguém. Também precisávamos fazer o nosso luto, até porque não tínhamos tocado no funeral e sentíamos que tinha ficado a faltar alguma coisa. Aliás, nos dias a seguir aquilo que eu mais ouvia era os miúdos a dizer que não percebiam como é que não tinham podido tocar. Isso estava a mexer com eles e precisamos desse tempo para chorar, para lamentar, mas também para homenagear o Pe. Eleutério, fizemos até um vídeo para apresentar à paróquia procurando mostrar quem era o Pe. Eleutério fora da Eucaristia, que estes miúdos chamavam de avô. Passado algum tempo começamos a convidar sacerdotes para nos acompanhar. Não para passar o tempo todo connosco, mas um para cada dia para abordar um tema diferente.

Estamos a falar muito do Pe. Eleutério, mas é impossível não o fazer, porque o próprio grupo é uma homenagem a esse mesmo sacerdote…

Rui Sousa – Sim é verdade. A princípio ele não queria. Disse que isso nos ia trazer dificuldades em vez de benefícios. Eu respondi-lhe que não tinha nada a temer e que por isso o nome seria esse. 

Tânia Sousa – Na semana anterior a ele falecer ele disse-me: Tânia, por favor, se tu queres crescer e fazer coisas lindas com este grupo muda-lhe o nome e eu disse-lhe logo que não. Ele ainda me disse: um dia, quando eu partir muda, eu respondi-lhe que aí então é que fica.

“fizemos até um vídeo para apresentar à paróquia procurando mostrar quem era o Pe. Eleutério fora da Eucaristia, que estes miúdos chamavam de avô”

Com quantos elementos contam atualmente?

Tânia Sousa – Neste momento temos 25 elementos.

Rui Sousa – Temos quatro guitarras, um djembé, um shaker, futuramente dois clarinetes, já temos um passamos a dois, futuramente um oboé, uma flauta transversal que também poderá passar a ser duas, uma bandola e dois bandolins, e uma melódica porque por vezes é complicado arranjar pautas. 

Tânia Sousa – Eu tenho que dizer isto para ver como são as coisas e como eu não posso deixar que estes jovens fiquem pela solenização da Missa das 11 horas. Os que estão a aprender instrumentos é porque querem contribuir para o coro com outra coisa que não seja só a voz. O Rui tem só tem dois anos de conservatório e não é professor de música. Mesmo assim tenta tirar acordes para viola, pautas para bandolim e pautas para clarinete. Às vezes, ele falha. Houve um dia, que estávamos num evento e nós pedimos a outros elementos que se juntassem a nós para fazermos ali uma coisa bonita. Esses outros elementos pegaram nas pautas do Rui e disseram que algumas coisas não estavam bem assim. Certo errado, errado certo, nisto o meu filho diz: pai isto sempre esteve errado, nós é que nos adaptamos porque sabíamos que, se disséssemos que estava errado, o papa tinha de tirar tudo de novo”.  

Rui Sousa – Hoje quando eu tiro alguma coisa já mostro ao meu filho para ele ver se está certo. Também há vezes que eles pedem um lápis e já fazem as suas anotações corretas.

Quantas vezes ensaiam e onde?

Os ensaios são normalmente antes das missas. Só quando temos uma música nova é que costumamos ensaiar, mas por fases. Começamos com os músicos, depois com o resto do grupo e depois ao domingo então ensaiamos todos ou nas férias. Tem de ser assim, porque eles têm uma panóplia de coisas para fazer: é explicações, é conservatório, é ensaios na banda, porque alguns tocam na banda, enfim, uma série de coisas, que nós não lhes podemos exigir mais. Neste momento a sede é a nossa casa. Há semanas que os tenho lá todos os dias, alternadamente.

Que tipo de repertório costumam interpretar? Todo ele é acompanhado pela assembleia ou há coisas que as pessoas não sabem cantar?

Tânia Sousa – Há de tudo um pouco. Mas a verdade é que os miúdos gostam sempre de musicas novas. Não os podemos pôr, domingo atrás de domingo, a cantar as mesmas. Dantes tínhamos o ecrã onde projetávamos as letras, mas isso foi retirado e fica muito dispendioso andar a imprimir para distribuir. 

“Mas a verdade é que os miúdos gostam sempre de musicas novas. Não os podemos pôr, domingo atrás de domingo, a cantar as mesmas”

Em termos de futuro o que se espera principalmente agora que se tornaram uma associação. Ir renovando os elementos, mas mantendo o grupo?

Tânia Sousa – Para além de continuarmos a solenizar Eucaristias, de fazer mais concertos e concertos solidários como os que fizemos, no ano passado, a favor das irmãs da Caldeira e da Cáritas. Há assim umas coisas que eu gostava muito de fazer. Por exemplo, ir com eles à cadeia. Não era para os assustar, mas para eles verem que qualquer pessoa pode lá ir parar, por causa de uma má escolha. Claro que iríamos tocar e cantar, mas sobretudo era para eles perceberem isso. Outra coisa era ir aos lares levar a nossa música e a nossa alegria, passando um dia de interação com os utentes. Esse era também um dos sonhos do Pe. Eleutério. Além disso eu também gostava muito de ajudar estes jovens não apenas com um obrigado pelos anos que eles passam connosco, mas de uma forma concreta, sei lá com uma bolsa de estudo dada pela associação, uma ajuda para eles perceberem que o tempo que dedicaram ao grupo fez a diferença na vida deles, na nossa e na da comunidade. 

Rui Sousa – Bem a questão de nos tornarmos associação, surgiu depois de um convite do professor Norberto Cruz para participarmos na 7.ª Edição do Festival Internacional de Bandolins da Madeira. 

Tânia Sousa – A verdade é que nós tínhamos uma série de dificuldades, como os transportes a aquisição de instrumentos, a simples mudança de cordas, a compra de um microfone, entre outras coisas. E toda a gente nos dizia que essas situações poderiam ser ultrapassadas, mais facilmente se fossemos uma associação. Andamos dois anos nisto, com os miúdos também por fim a pedir, porque nos diziam que tinham outros talentos, que se quiséssemos fazer um intercâmbio era mais fácil e eu a pensar em tudo o que estava por detrás disso. Eu coloquei nas mãos de Deus pedindo que se fosse para seguir em frente que as portas se abrissem. Ainda andamos mais de um ano até que em dezembro passado lá conseguimos ter tudo direitinho para avançar.

O que é que vos falta para que o vosso trabalho com estes jovens possa ser ainda melhor?

Tânia Sousa – Com esta questão de nos termos tornado associação, poderemos ter uma sede. Não para os afastarmos do ambiente familiar em que temos vivido e crescido como coro, mas para nos tornar a parte logística mais fácil. Termos um sítio para arquivo, onde guardar as músicas, os instrumentos, etc. Mas tinha de ser perto da nossa casa, isto é, mesmo em Câmara de Lobos perto da igreja. Porque 80 por cento dos miúdos são de Câmara de Lobos. E nós já pedimos aos pais para os levar para outros sítios, quando temos atuações, para dar boleias a outros elementos que seria inconcebível pedir-lhes que os levassem também aos ensaios.