O Pe. Jorge Miguel Lopes Ferreira, é o convidado para orientar as próximas Jornadas do clero e dos Leigos, que vão de correr de 23 a 26 de janeiro.
O orador nasceu em Nordeste, ilha de S. Miguel – Açores – a 08 de março de 1980 e recebeu a ordenação a 19 de junho de 2005, na Sé de Angra.
Atualmente é Diretor Espiritual no Pontifício Colégio Português, colaborador no Dicastério para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos e encontra-se a concluir o seu Doutoramento em Sagrada Liturgia. Apesar de ser o próprio a referir que “é um desafio fazer uma formação para o clero em Liturgia”, diz que esta formação é importante na medida em que “permite insistir na relação entre o caminho pessoal de fé, a Participação litúrgica, a pertença eclesial e a coerência de vida cristã”. Afinal, “a liturgia é fonte e meta da ação da Igreja”.
Como encarou este convite da Diocese do Funchal para orientar as Jornadas do Clero e dos Religiosos e Leigos, agendadas para decorrer de 23 a 26 de janeiro.
É sempre um desafio aceitar o convite para fazer uma formação ao clero em Liturgia. É certo que ao sermos enviados a Roma para fazermos uma especialização numa determinada área da teologia, sabemos à partida, que a nossa missão no futuro será a de sermos formadores. Nestas jornadas de formação da Diocese do Funchal, não trago a pretensão de vir ensinar ou apresentar grandes novidades, gostaria, isso sim, de partilhar com aqueles que estiverem disponíveis para me ouvir, uma perspetiva diversa de temáticas já conhecidas. Também é importante recordar e aprofundar conhecimentos teológicos que possam ser úteis para a nossa vida enquanto cristãos batizados independentemente da nossa missão nas comunidades.
“gostaria (…) de partilhar com aqueles que estiverem disponíveis para me ouvir, uma perspetiva diversa de temáticas já conhecidas”
Nelas vai ser abordado o tema da Liturgia em várias vertentes. Sem esvaziar os temas fale-me um pouco de cada uma das propostas.
No passado 4 de dezembro, concluíram-se 70 anos da promulgação do documento do Concílio Vaticano II (Sacrosanctum Concilium) que trata exclusivamente da Liturgia. Nesse documento afirma-se categoricamente a necessidade da formação litúrgica para que todos os fiéis batizados possam participar nas celebrações de forma plena, ativa e consciente. Por outro lado, as assembleias que celebram os sacramentos, são expressão visível da Igreja e tais celebrações devem, através de palavras e gestos simbólicos, expressar com nobre simplicidade e beleza a única fé desta mesma Igreja. Contudo, as celebrações litúrgicas pressupõem fé e conversão e são fonte de verdadeira espiritualidade cristã. Consequentemente, há que refletir sobre todos estes temas de forma que todos possamos exprimir na vida o que acreditamos e manifestemos aos outros a pessoa de Cristo e a autêntica natureza da Igreja, que é simultaneamente humana e divina. A formação litúrgica é importante na medida em que permite insistir na relação entre o caminho pessoal de fé, a Participação litúrgica, a pertença eclesial e a coerência de vida cristã.
Sei que entende que a liturgia pode ser um instrumento de aproximação à igreja, nomeadamente dos jovens. Depois de umas JMJ isso é importante, julgo eu, para dar continuidade àquilo que foi alcançado?
A JMJ foi, em Portugal, o acontecimento eclesial de maior relevância nos tempos atuais e seria muito mau se deixássemos cair tudo no esquecimento ou negligenciássemos a urgente pastoral juvenil. É muito importante continuar a trabalhar para que as Jornadas produzam fruto. Quanto à relação dos jovens com a liturgia, é necessária uma atenção inquieta e preocupada, porque depois de 10 anos de catequese, os jovens, na sua maioria não se envolvem nas paróquias nem nas celebrações. Percebe-se claramente uma certa falta de fé e indiferença pelo transcendente e sobretudo a perda da “gramática da religião”. Por isso, urge o trabalho pastoral juvenil e também a educação dos jovens para a liturgia, ou seja, uma explicação dos ritos e dos textos litúrgicos e também a formação para as atitudes a ter numa celebração autêntica. Tal poderia também valorizar o protagonismo e a criatividade dos jovens na liturgia, sensibilizar para a problemática da relação fé e igreja perante as novas perspetivas juvenis porque nem sempre o afastamento da liturgia significa ausência da fé eclesial.
O Vaticano II afirma “a necessidade da formação litúrgica para que todos os fiéis batizados possam participar nas celebrações de forma plena, ativa e consciente”
A liturgia é também um instrumento para dialogar com o mundo. Mas lá está, é preciso a Igreja formar para a fé e para as celebrações e colocar a funcionar os vários instrumentos ao serviço dessa mesma Liturgia?
A Igreja cumpre a sua missão na medida em que se coloca em diálogo com mundo, procurando apresentar a pessoa de Jesus Cristo que veio para a salvação de todos. Sendo a Liturgia expressão da mesma Igreja, sua fonte e meta, é também expressão da fé, o que permitirá depois lançar as bases para um diálogo com outras religiões e com os não crentes.
A Liturgia, costuma-se dizer, como a pastoral de uma forma geral, é sempre um trabalho inacabado. Gostava que desenvolvesse um pouco mais esta ideia…
O Concílio Vaticano II afirmou que a formação litúrgica é para todos. Esta não pode ser considerada como algo já adquirido e resolvido, pois trata-se fundamentalmente daquilo a que chamamos de fonte e meta da ação da Igreja. Leigos, religiosos e sacerdotes são chamados a formar-se em matéria litúrgica e posteriormente deverão recordar ou aprofundar de modo a entrar mais profundamente no sentido das celebrações que não são mera exterioridade e que não se resumem a um complexo conjunto de regras ou normas para executar, pois a liturgia não é ação teatral. Todos somos convidados a aprender para depois ajudarmo-nos a nós mesmos e aos outros o sentido do que acontece nas funções sagradas e a viver a vida litúrgica. Hoje nós que temos responsabilidades nas comunidades paroquiais devemos preocupar-nos para que a celebração litúrgica não seja fechada à vida normal do dia a dia e aos compromissos que esta implica, pois, a celebração autêntica é aquela que favorece a vida coerente com os valores cristãos e por isso não pode haver separação entre interior e exterior (subjetividade e objetividade), daí a necessidade de uma formação litúrgica séria e vital.
“devemos preocupar-nos para que a celebração litúrgica não seja fechada à vida normal do dia a dia (…) pois, a celebração autêntica é aquela que favorece a vida coerente com os valores cristãos”
Para que tudo isto corra bem tem de haver uma atitude mais evangélica e missionária, nomeadamente por parte dos sacerdotes que devem pensar em trabalhar em função dos que não entendem a liturgia, em vez de continuarem a chamar si aqueles que já percebem um pouco do assunto?
Como atrás referi em relação aos jovens, também se pode dizer de todos os membros das comunidades que muitas vezes se dizem cristãos e católicos, mas que não vão à igreja. Esta é então a questão fundamental: como recuperar a capacidade de viver plenamente a ação litúrgica? A reforma do Concílio Vaticano II tem este objetivo. O desafio é muito exigente, porque o homem moderno – nem em todas as culturas da mesma forma – perdeu a capacidade de enfrentar a ação simbólica, que é uma característica essencial do ato litúrgico. Nos nossos tempos em que muita gente se sente perdida sem valores nem referências porque se tornou também indiferente perde-se a capacidade da ação e da compreensão simbólica. Por isso surge essa necessidade da Igreja, a partir da Liturgia, continuar a anunciar sempre e por toda a parte reafirmando a consciência de ser anunciadora de Cristo, escutando atentamente a palavra de Deus e reconhecendo como próprias as alegrias das pessoas de hoje.

Fique a conhecer um pouco melhor o orador:
O Pe. Jorge Miguel Lopes Ferreira, é o orador convidado para orientar as próximas Jornadas do Clero e dos Leigos. Nasceu em Nordeste, ilha de S. Miguel – Açores – a 08 de março de 1980. Realizou os seus estudos no Seminário Episcopal de Angra.
Recebeu a ordenação a 19 de junho de 2005, na Sé de Angra. Após a ordenação foi pároco de várias comunidades, quer na Ilha Graciosa, quer na Ilha de S. Miguel, onde também foi Ouvidor eclesiástico (Arcipreste) e membro do Conselho Presbiteral.
Em 2013, foi enviado para Roma, de modo a prosseguir os seus estudos no Pontifício Instituto Litúrgico de S. Anselmo, onde concluiu o Mestrado em Sagrada Liturgia, e deu início ao doutoramento.
Exerceu funções como Vice-Reitor do Pontifício Colégio Português, entre 2017 e 2020.
Regressado à Diocese, nesse ano, assumiu as seguintes funções: Vigário Episcopal para a Formação (de 2020 a 2021); Formador no Seminário Episcopal de Angra (de 2020 a 2022); Professor de Liturgia no Seminário Episcopal de Angra (desde 2020); Capelão da Santa Casa da Misericórdia de Angra e Reitor da Igreja da Misericórdia na mesma cidade (2020 a 2023); Administrador paroquial de S. Sebastião, na ilha Terceira (2023).
Atualmente é Diretor Espiritual no Pontifício Colégio Português, colaborador no Dicastério para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos e encontra-se a concluir o seu Doutoramento em Sagrada Liturgia.