17 de Dezembro: Uma pequenina luz

Comentário à liturgia da Missa do Parto

João Candido Portinari, Natividade (1960)

Nos dias que correm, vivemos enredados em lógicas de produtividade e de alto desempenho onde cada um é medido segundo matrizes de rendimento e eficiência. Narcotizados pela velocidade avassaladora dos dias e pela exigência tecnocrata que sitia a nossa humanidade, “vemos como reina uma indiferença acomodada, fria e globalizada, filha duma profunda desilusão que se esconde por detrás desta ilusão enganadora: considerar que podemos ser omnipotentes (…)” (Papa Francisco: Fratelli Tutti, 30).

Em contraponto à fugaz mundividência contemporânea, o Evangelho apresenta-nos João Baptista. Homem simples, frugal, sem qualquer pretensão de fama ou cargos, cuja “carta de apresentação” se resume numa simples declaração: “Eu não sou o Messias” (Jo 1, 20). É-nos tão difícil dizer “eu não sou o messias” pois, não raras vezes, convencemo-nos que perdemos valor quando não temos grandes responsabilidades “redentoras” – sejam essas responsabilidades eclesiais, empresariais, familiares ou de qualquer outra ordem.

Nesta caminhada de advento, gosto de pensar em João Baptista como autor de uma pedagogia das mãos vazias, cujo princípio basilar é este: para Deus não importa o que faço; diante de Deus importo porque sou filho – “Como a mãe consola o seu filho, assim Eu vos consolarei” (Is 66, 13).

Com o tempo que nos resta até à celebração do Natal, não queiramos ser outra coisa senão como a pequenina luz que nos chega da fragilidade do Presépio; uma pequenina luz tal como aquela sobre a qual escreveu Jorge de Sena:

“Uma pequenina luz
bruxuleante
Não na distância brilhando no
Extremo da estrada
Aqui no meio de nós e a 
Multidão em volta (…)
Uma pequena luz bruxuleante
Brilhando incerta mas brilhando
Aqui no meio de nós (…)
Tudo é incerto ou falso ou 
Violento: brilha.
Tudo é terror vaidade orgulho
Teimosia: brilha.
Tudo é pensamento realidade
Sensação saber: brilha.
Tudo é treva ou claridade
Contra a mesma treva: brilha
(…)
Mas brilha.
Não na distância. Aqui
No meio de nós.
Brilha.”

In Ao altar da pequenez. Missas do Parto 2023. Diocese do Funchal