A Irmã Teresa Gomes, da Congregação das Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias é diretora, há 19 anos, da Escola de Sant’Ana – Externato, em Machico.
Esta seria apenas mais uma escola, não fora o facto de a mesma ter sido fundada pela mesma mulher que fundou a congregação: a Irmã Mary Jane Wilson. Foi isso que nos levou até à escola, neste tempo em que decorre o Jubileu dos 150 anos da conversão da Irmã Wilson.
O primeiro estabelecimento funcionou no Solar de São Cristóvão, desde 1904. Aquando da Revolução Republicana de 5 de outubro de 1910, as irmãs foram obrigadas a encerrar a escola. As crianças ficaram sem as suas professoras e Machico teve de aguardar 20 anos para que as irmãs voltassem.
Em 1925 é adquirida a quinta de Sant’Ana, no sítio da Terça, com a finalidade de reabrir a Escola. Dois anos mais tarde a escola retoma o seu funcionamento. Ali, ministrava-se o ensino primário e a catequese, havendo ainda um pequeno internato para meninas.
Os alunos foram aparecendo e em cada ano o seu número aumentava. O mesmo continua a acontecer nos dias de hoje (a escola tem 135 alunos), com famílias inteiras – avós, pais e filhos – a iniciarem ali a sua formação.
É por isso muito especial o ambiente que se vive no espaço, onde os valores da Irmã Wilson vão sendo passados às novas gerações e onde há crianças, professores, educadores, e auxiliares de educação felizes e completamente identificados com o Projeto Educativo católico que o enforma. Disso mesmo havemos de dar conta num outro momento, com uma reportagem que inclui conversas com os alunos, pessoal docente e não docente. Por hoje, ficamos pela escola e a sua fundadora, que tanto lutou para que a mesma fosse uma realidade, pelo que ali se procura viver diariamente, com dificuldades, mas também as muitas alegrias que os 119 anos de existência têm proporcionado.
Jornal da Madeira – Esta escola é uma escola muito especial porque foi fundada pela própria Irmã Wilson, ainda que noutro espaço. Há quanto tempo a direção está à sua responsabilidade?
Irmã Teresa Gomes – Eu cheguei aqui em setembro de 2004. Estava a trabalhar no Colégio de Santa Teresinha, mas foi-me pedido que viesse para aqui e eu assim fiz. Já lá vão 19 anos. Quando cheguei a escola era mais pequena, mas com o tempo fomos melhorando os espaços construindo outros novos até a escola ficar como hoje a conhecemos.
Jornal da Madeira – Ser diretora desta escola com os valores que a mesma procura passar, e tendo sido fundada por quem foi, o peso da responsabilidade, suponho, é um bocadinho maior…
Irmã Teresa Gomes – Sim, é verdade. Sente-se o peso da responsabilidade, mas também o peso da alegria, porque é dando que se recebe. É muito bom, por exemplo, sentir que os pais confiam no nosso trabalho. Sabemos que algumas escolas à roda já fecharam, mas esta continua a aumentar o número de alunos, a ponto de por vezes não conseguirmos dar resposta. É ainda mais gratificante sabermos que defendemos os valores católicos, os valores universais, mas que não o fazemos só de boca, aqui vivem-se esses valores. Quem coloca os seus filhos nesta escola sabe que funcionamos assim e que não somos mais um ‘deposito’ de crianças, porque a escola deve ser aquela que trabalha também com a família. Graças a Deus isso tem acontecido em várias ocasiões, não só em épocas festivas, mas também quando as crianças/alunos estão a estudar algo em que se pode envolver os pais que têm formação na área.
“A escola tem futuro, a congregação tem futuro precisamente porque foi fundada por vontade Divina apesar de todas as dificuldades que a Irmã Wilson encontrou”.
Jornal da Madeira – Tendo em conta essa disponibilidade dos pais para estarem presentes, podemos dizer que esta é uma escola familiar?
Irmã Teresa Gomes – Sim, sim. Esta é de facto uma escola familiar. E não é só por causa dessa colaboração. É também porque por aqui já passaram, bisavós, avós, filhos e netos. E é interessante ver como alguns voltam para visitar a escola. Ainda este verão recebi aqui um senhor de 65 anos, que veio do Brasil de férias, e que chorou imensamente por encontrar a sua sala e um ferro aqui ao lado onde brincava. Aliás, trepou o ferro como quando era criança. Recebi ainda uma outra senhora que rezava sempre a Santa Ana e não sabia porquê. Afinal acabou por descobrir que foi aluna aqui. Esteve na capela perto de uma hora, sozinha. Muitos outros antigos alunos gostam de voltar a visitar a sua escola e recordar o cantinho da sala onde se sentavam.
Jornal da Madeira – Se há um reconhecimento de que o trabalho foi bem feito, essas visitas são uma demonstração disso?
Irmã Teresa Gomes – Sim. É isto que marca. É aquela alegria de vermos que o nosso trabalho não é em vão, ainda é atual e cada vez mais atual, senão não havia tanta procura. É sinal que ainda temos para oferecer e que os pais têm esta ânsia de procurar algo que encha o coração dos pais, dos filhos e dos que virão.
Jornal da Madeira – Nos tempos que correm, as escolas católicas têm um papel essencial pois têm a obrigação de passar valores que são fundamentais para, entre outros aspetos, a vida em sociedade?
Irmã Teresa Gomes – Sim é verdade. E nós sentimos que as crianças têm a noção e têm bem consciência disso. De resto, nesta escola, e eu digo isso aos pais nas reuniões, ninguém é superior a ninguém e precisamos uns dos outros. Há muito a ideia de que é o meu filho o “perfeito”. Sim, o filho tem o mesmo direito, mas também tem o mesmo dever de respeitar e ser respeitado. Tem sido uma luta muito grande, tem implicado muito trabalho, porque muitos pais ainda continuam a achar que o seu filho é que é importante quando não é assim. Todos somos importantes. Essa tem sido uma das nossas dificuldades.
Jornal da Madeira – Para além dessa, que outras dificuldades tem a escola?
Irmã Teresa Gomes – Bem, de facto não são tudo rosas. Como todas as famílias a escola também passa por algumas dificuldades, quer a nível destes valores dos pais só verem o seu filho, quer a nível económico. Nós dependemos na totalidade da Secretaria da Educação, porque temos Contrato de Associação, e às vezes não é fácil gerir uma escola com os poucos recursos que nós temos. Tentamos dar o nosso melhor. Mas se já é difícil gerir uma casa, quanto mais uma escola.
“o nosso projeto educativo assenta no educar em valores, trabalhando em temas diferentes. Este ano estamos a trabalhar o tema: Crescer num Mundo Sustentável – O ar, a terra e o mar, estamos baseados na carta Encíclica Laudato si do Papa”.
Jornal da Madeira – As crianças pagam mensalidades?
Irmã Teresa Gomes – O que lhes é pedido aqui é o mesmo que lhes seria pedido se estivessem numa escola pública, nem mais nem menos. Esses valores são fixados pelo Governo Regional através da Secretaria de Educação Ciência e Tecnologia. A secretaria faz a gestão dos dinheiros e dá à escola aquilo que ela tem direito e nada mais. Ora, isso é uma dificuldade, porque se se estraga uma coisa ou outra, temos de aprender a gerir aquilo que temos e que é para despesa corrente. Mas também se aprende a gerir, o pouco com Deus é muito.
Jornal da Madeira – Depois de tantas tribulações que as irmãs já passaram ao longo da história, da importância destas escolas para substituir outras, que como a Irmã disse há pouco fecharam, que futuro terá a Escola de Sant’Ana?
Irmã Teresa Gomes – A escola tem futuro, a congregação tem futuro precisamente porque foi fundada por vontade Divina apesar de todas as dificuldades que a Irmã Wilson encontrou. Sabemos que estamos a passar por dificuldades, aqui na Região, no que toca a novas vocações, embora noutras partes do mundo elas ainda vão surgindo. Acontece que para essas irmãs virem para cá é um processo muito difícil, nomeadamente no que toca às equivalências. Eu diria que estamos nas mãos de Deus. A obra é d´Ele. As dificuldades existem, ninguém as esconde. A procura é sempre grande, tenho crianças que nasceram este ano e que já se vieram inscrever para guardar lugar.
“Uma escola católica tem por missão apresentar também os valores do Evangelho.
Jornal da Madeira – Há dias, ao entrevistar o prof. Jorge Cotovio, da Associação Portuguesa de Escolas Católicas (APEC), ele dizia que os pais deviam poder fazer essa escolha de colocar os filhos numa escola católica sem que com isso tivessem de ter uma despesa extra. Afinal a escola católica, tirando essa parte em que se fala de forma mais profunda de valores, é uma escola normal. Concorda?
Irmã Teresa Gomes – É e não é uma escola normal. Aqui estuda-se o Português, a Matemática, o Estudo do Meio…, como em qualquer outra. Mas aqui é obrigatório ter Religião e Moral e Catequese. Depois o nosso projeto educativo assenta no educar em valores, trabalhando em temas diferentes. Este ano estamos a trabalhar o tema: Crescer num Mundo Sustentável – O ar, a terra e o mar, estamos baseados na carta Encíclica Laudato si do Papa. Por outro lado, aqui trabalhamos para incutir que todos temos direitos e deveres, ninguém é superior nem inferior a ninguém, todos temos de respeitar e sermos respeitados, como já referi anteriormente.
Jornal da Madeira – Se tivesse necessidade, que já vimos que não tem, de chamar crianças para esta escola, o que é que diria aos pais?
Irmã Teresa Gomes – Somos completos quando crescemos com uma formação integral – humana, científica e espiritual. Uma escola católica tem por missão apresentar também os valores do Evangelho. Aqui têm essa opção. Saber que nesta escola não há a minha sala, a tua sala, ou um espaço, há a nossa escola. Diria também que na diferença é que está a beleza.