Senhora do Monte: Bispo convida a “contemplar a verdadeira Arca da Aliança” para “transformarmos a sociedade e o mundo”

Ao olhar para o céu, para Nossa Senhora que é a “verdadeira Aliança”, descobrimos “o exato valor do real” e percebemos que “não podemos moldar a realidade a partir das nossas ideias e dos nossos sonhos”. Aliás, “as ideologias humanas sempre se mostraram perigosas.

Foto: Duarte Gomes

D. Nuno Brás presidiu, no dia 15 de agosto, a mais uma festa em honra de Nossa Senhora do Monte vincando que “neste dia da Assunção de Nossa Senhora ao Céu, nesta Solenidade de Nossa Senhora do Monte, somos, também nós, convidados a contemplar a verdadeira e definitiva Arca da Aliança”.

E essa arca, explicou aos peregrinos que enchiam a igreja, adro, a escadaria e aos representantes das principais entidades regionais que participaram na Eucaristia, “é a Virgem Maria”.

É Ela, lembrou, que “transporta consigo e dá constantemente à luz a Cristo Salvador, o Deus connosco, no meio de nós, e, ao mesmo tempo, o Homem que cumpre em plenitude os mandamentos”.

Por outras palavras, a arca “já não é um objecto de madeira mas ‘a Mulher’ — ornada não com o ouro perecível mas com a vida resplandecente da maternidade; a Mulher cheia de beleza não tanto pela beleza da sua aparência física mas porque adornada com toda a espécie de virtudes; a Mulher sempre vitoriosa porque traz consigo o Messias, o Deus connosco, Jesus ressuscitado”.

Por isso mesmo, desafiou o bispo diocesano na sua homilia, “não tenhamos medo de erguer os olhos ao céu para contemplar a Virgem Maria”, ainda que alguns nos possam acusar “de esquecer a realidade em que vivemos”, dizendo que “o importante é olhar a terra que pisamos, para a transformar com o nosso idealismo, os nossos sonhos, a nossa vontade, as nossas forças”.

“Esquecem que só descobrimos o exato valor do real quando o percebemos a partir da sua finalidade, da sua meta. O mesmo é dizer: quando dirigimos o nosso olhar para o Céu e nele descobrimos a verdadeira Arca da Aliança”, constatou.

Não se trata, pois, conforme alertou o prelado, de “moldar a realidade a partir das nossas ideias e dos nossos sonhos. Essas ideologias humanas sempre se mostraram perigosas: foi assim no século passado, com os seus milhões de mortos, causados por ideologias que, precisamente, recusando-se a olhar para o Céu, negando a existência ou a importância de Deus, endeusavam a figura do líder, aniquilando a dignidade do ser humano”.

Nem deuses nem abandonados

De resto, “quando o Apóstolo nos convida a olhar para o Céu, não nos propõe a descoberta de uma ideia mas a contemplação de uma pessoa totalmente formada a partir de Cristo”, disse. Propõe-nos “a contemplação de uma mulher (“a Mulher” por antonomásia); propõe-nos a contemplação da Mãe que é Maria de Nazaré”. E, explicou, “olhando para Ela, que nos acena e acolhe desde o fim da história, percebemos quem somos”.

Percebemos ainda que “não somos nem deuses, nem os abandonados a um destino trágico, condenados a viver, cada um por si, quais protagonistas de um reality show obrigados sobreviver numa ilha”,

Para D. Nuno Brás, “olhar para o Céu e contemplando a Arca da Aliança, percebemos que todo e qualquer ser humano é amado e querido por Deus (no-lo recordava, ainda há dias, o Papa Francisco); percebemos que todo e qualquer ser humano é um verdadeiro lugar de encontro entre Deus e o Homem”.

Mais: ao olhar para o Céu, o cristão percebe que “pertencemos a Deus, mesmo que não tenhamos disso consciência” e o quão triste é “existirem, ainda hoje, tantos seres humanos a quem não chegou esta Boa Notícia!”.

Contemplando o Céu, frisou ainda o prelado, percebemos também “a nossa vocação divina” e que “somos convidados a ser muito mais que aquilo que já conseguimos. Que somos convidados a ser sempre mais — seja como projecto pessoal, seja como projecto de comunidade, de Região, de país”.

Contemplando o Céu, “percebemos que não nos é permitido desistir — de nós e de quem quer que seja. Em nós e à nossa volta, há ainda muito para transformar, muitos corações a converter, muitas estruturas a melhorar e a modificar”.

Contemplando a verdadeira e definitiva Arca da Aliança, “descobrimos a meta do nosso viver, do nosso caminhar” e o “modelo concreto e existencial que nos há-de servir para nos convertermos e para transformarmos a nossa sociedade e o mundo inteiro”.

Transformar a partir de Deus

Um cristão, garantiu ainda D. Nuno Brás, “não é nunca alguém que, de braços cruzados, se deixa aprisionar pelo correr do tempo, resignado com o sofrimento e as dificuldades”. Antes pelo contrário. “Olhando para o fim da história, o cristão percebe, de modo claro, a missão que lhe foi confiada de transformar o mundo em que vive. E percebe que o deve fazer não a partir das suas ideias ou das ideias dos bem-pensantes, ou (muito menos) a partir dos gostos dos poderosos ou até do pensamento da maioria. Contemplando o Céu, percebemos que a nós, cristãos, nos é pedido que transformemos o mundo a partir de Deus. E sabemos que isso é possível porque foi possível na pessoa da Virgem Maria”, garantiu.

Contemplando o Céu, percebemos ainda “como se enganam aqueles que julgam vencer com as suas forças ou a sua esperteza. A vitória do ser humano (de todos e de cada um), ou é a vitória do Deus connosco, Jesus Cristo, ou é um caminho inclinado para a derrota e para a morte”.

Por tudo isto, concluiu o prelado, “não tenhamos medo de contemplar o Céu: não é perda de tempo ou tarefa para inúteis preguiçosos. É antes a condição para não nos enganarmos no caminho da construção do homem que somos e da sociedade em que queremos viver”.

No início desta Eucaristia, concelebrada por D. António Carrilho, bispo emérito, pelo vigário geral, cónego Fiel de Sousa e por vários outros sacerdotes, rezou-se “por toda a Região”, mas também pelos emigrantes, em particular os que passam por alguma dificuldade, com D. Nuno Brás a “pedir a Nossa Senhora do Monte que por todos olhe e a todos cuide com zelo de Mãe”.

Já no final voltou a sair a procissão. O andor da pequenina imagem aos ombros dos carreiros. Não faltou gente a vê-la passr e a cumprir as suas promessas, levando consigo braços, cabeças, pés, bebés. Algumas fizeram ainda todo o percurso descalças. Sinais exteriores de uma fé e de um compromisso com a Mãe, que só quem o estabelece sabe explicar a razão.

Leia na íntegra a homilia de D. Nuno Brás:

SOLENIDADE DE NOSSA SENHORA DO MONTE
15 agosto 2023
“A Arca da Aliança foi vista”

  1. “Indiana Jones e os salteadores da Arca Perdida” (1981) constitui, ainda hoje, uma referência entre os chamados “filmes de aventura”. Nesta película, o Professor Jones procurava a Arca da Aliança do Povo de Israel, perdida desde há muito. Era também buscada pelos nazis, na certeza de que quem a tivesse consigo ganharia a IIª Guerra Mundial, seria indestrutível. Como sabemos, o filme é baseado numa antiga tradição bíblica.

A Arca da Aliança, construída por Moisés no Sinai, de acordo com as indicações divinas (Ex 25,10-22), continha as Tábuas da Lei (o documento da Aliança entre Deus e o seu povo), a vara de Aarão (usada por Moisés e Aarão para, em nome de Deus, realizarem prodígios no Egipto, aquando da libertação do povo) e um pedaço do Maná (esse “alimento descido do céu”, que dera de comer a Israel durante a sua purificação no deserto). As proporções indicadas por Deus para a construção da Arca são, ainda hoje, o paradigma da beleza, da harmonia arquitectónica.

A Arca da Aliança era o sinal de que Deus escolhera Israel como sua particular propriedade, e que o povo aceitara essa eleição, comprometendo-se a não ter outro Deus, disponibilizando-se para ser a presença do Deus único no meio das nações. “Vós sereis o meu povo e Eu serei o vosso Deus”: essa era a “fórmula da Aliança” (Lev 26,12).

Depois da destruição do Templo de Jerusalém em 586 aC, a Arca foi perdida. Com ela, Israel vivia a percepção de ter sido abandonado por Deus: o seu pecado fora de tal forma grande que Deus esquecera o seu povo até ao dia em que chegasse o Messias. Procurando dar uma justificação para este desaparecimento, o II Livro dos Macabeus diz que “Por revelação divina, o profeta [Jeremias] tinha desejado fazer-se acompanhar pela Arca e pelo tabernáculo, logo que chegasse à montanha a que Moisés tinha subido para contemplar a herança de Deus. Chegado ao monte, Jeremias descobriu uma gruta ampla e nela mandou depositar a Arca, o tabernáculo e o altar dos perfumes, tapando, de seguida, a entrada. Alguns dos que o tinham acompanhado voltaram para marcar o caminho com sinais, mas não o conseguiram.

Quando Jeremias soube, repreendeu-os, dizendo-lhes: ‘Este lugar ficará desconhecido, até que Deus reúna o seu povo e use de misericórdia com ele” (2,4-7).

Relendo todas estas tradições judaicas, a Iª Leitura que escutámos apontava para uma nova e definitiva realidade: “O templo de Deus abriu-se no Céu e a arca da aliança foi vista no seu templo” (Ap 11,19a).

A partir do fim dos tempos, o Apóstolo S. João contempla — e convida-nos a contemplar — o verdadeiro Templo de Deus e a verdadeira Arca da Aliança, finalmente encontrada, qual sinal dos tempos definitivos: é a Virgem Maria. Ela transporta consigo e dá constantemente à luz a Cristo Salvador, o Deus connosco, no meio de nós, e, ao mesmo tempo, o Homem que cumpre em plenitude os mandamentos.

A verdadeira Arca da Aliança já não é um objecto de madeira mas “a Mulher” — ornada não com o ouro perecível mas com a vida resplandecente da maternidade; a Mulher cheia de beleza não tanto pela beleza da sua aparência física mas porque adornada com toda a espécie de virtudes; a Mulher sempre vitoriosa porque traz consigo o Messias, o Deus connosco, Jesus ressuscitado.

  1. Neste dia da Assunção de Nossa Senhora ao Céu, nesta Solenidade de Nossa Senhora do Monte, somos, também nós, convidados a contemplar a verdadeira e definitiva Arca da Aliança.

Não tenhamos medo de erguer os olhos ao céu para contemplar a Virgem Maria. Alguns, poderão acusar-nos de esquecer a realidade em que vivemos; dirão que o importante é olhar a terra que pisamos, para a transformar com o nosso idealismo, os nossos sonhos, a nossa vontade, as nossas forças. Esquecem que só descobrimos o exato valor do real quando o percebemos a partir da sua finalidade, da sua meta. O mesmo é dizer: quando dirigimos o nosso olhar para o Céu e nele descobrimos a verdadeira Arca da Aliança.

Não se trata, pois, de moldar a realidade a partir das nossas ideias e dos nossos sonhos. Essas ideologias humanas sempre se mostraram perigosas: foi assim no século passado, com os seus milhões de mortos, causados por ideologias que, precisamente, recusando-se a olhar para o Céu, negando a existência ou a importância de Deus, endeusavam a figura do líder, aniquilando a dignidade do ser humano.

Quando o Apóstolo nos convida a olhar para o Céu, não nos propõe a descoberta de uma ideia mas a contemplação de uma pessoa totalmente formada a partir de Cristo. Propõe-nos a contemplação de uma mulher (“a Mulher” por antonomásia); propõe-nos a contemplação da Mãe que é Maria de Nazaré.

Olhando para Ela, que nos acena e acolhe desde o fim da história, percebemos quem somos. Não somos nem deuses, nem os abandonados a um destino trágico, condenados a viver, cada um por si, quais protagonistas de um reality show obrigados sobreviver numa ilha. Olhando para o Céu e contemplando a Arca da Aliança, percebemos que todo e qualquer ser humano é amado e querido por Deus (no-lo recordava, ainda há dias, o Papa Francisco); percebemos que todo e qualquer ser humano é um verdadeiro lugar de encontro entre Deus e o Homem.

Olhando para o Céu, percebemos que pertencemos a Deus, mesmo que não tenhamos disso consciência — que triste é existirem, ainda hoje, tantos seres humanos a quem não chegou esta Boa Notícia! Percebemos que Deus nos ama, ainda que o nosso caminho se tenha afastado dele.

Contemplando o Céu, percebemos a nossa vocação divina. Percebemos que somos convidados a ser muito mais que aquilo que já conseguimos. Que somos convidados a ser sempre mais — seja como projecto pessoal, seja como projecto de comunidade, de Região, de país.

Contemplando o Céu, percebemos que não nos é permitido desistir — de nós e de quem quer que seja. Em nós e à nossa volta, há ainda muito para transformar, muitos corações a converter, muitas estruturas a melhorar e a modificar.

Olhando para o Céu e contemplando a verdadeira e definitiva Arca da Aliança, descobrimos a meta do nosso viver, do nosso caminhar. Ela mostra-nos o modelo concreto e existencial que nos há-de servir para nos convertermos e para transformarmos a nossa sociedade e o mundo inteiro. Porque um cristão não é nunca alguém que, de braços cruzados, se deixa aprisionar pelo correr do tempo, resignado com o sofrimento e as dificuldades. Pelo contrário: olhando para o fim da história, o cristão percebe, de modo claro, a missão que lhe foi confiada de transformar o mundo em que vive. E percebe que o deve fazer não a partir das suas ideias ou das ideias dos bem-pensantes, ou (muito menos) a partir dos gostos dos poderosos ou até do pensamento da maioria e da moda. Contemplando o Céu, percebemos que a nós, cristãos, nos é pedido que transformemos o mundo a partir de Deus. E sabemos que isso é possível porque foi possível na pessoa da Virgem Maria.

Contemplando o Céu, percebemos como se enganam aqueles que julgam vencer com as suas forças ou a sua esperteza. A vitória do ser humano (de todos e de cada um), ou é a vitória do Deus connosco, Jesus Cristo, ou é um caminho inclinado para a derrota e para a morte.

Não tenhamos medo de contemplar o Céu: não é perda de tempo ou tarefa para inúteis preguiçosos. É antes a condição para não nos enganarmos no caminho da construção do homem que somos e da sociedade em que queremos viver.