Chama-se Isabel Galriça Neto e é conhecida como a “mãe” dos Cuidados Paliativos em Portugal. País onde 70% dos cidadãos que precisam não têm acesso a esses cuidados. Daí que Isabel Galriça Neto defenda que “os portugueses necessitam ser mais exigentes com os que os governam e saber que os Cuidados Paliativos são um direito constitucional, um verdadeiro direito humano”. No próximo dia 17 a médica vai estar na Madeira para precisamente “quebrar mitos e preconceitos sobre a natureza dos Cuidados Paliativos”. E deixa um convite aos nossos leitores: “Venham à Semana da Vida, porque certamente vai valer a pena participar destas duas sessões”.
Jornal da Madeira – Como encarou mais este convite para vir à Madeira?
Isabel Galriça Neto – É uma alegria e um privilégio poder participar desta semana com actividades tão especiais e diversificadas, para celebrar a Vida, também, no meu caso, para contribuir para aumentar a literacia da sociedade sobre as questões do fim de vida.
Jornal da Madeira – Vem então para participar na Semana da Vida com dois temas. Ainda antes de lhe pedir que desenvolva um bocadinho cada um deles, julgo que é importante falarmos de Cuidados Paliativos no geral. Creio que ainda existe muita confusão e desconhecimento sobre o que são estes cuidados… Porque é que isso acontece?
Isabel Galriça Neto – Isso acontece porque há genericamente mitos e medos, uma falta de informação sobre os direitos das pessoas aos cuidados de saúde em situação de doença grave e incurável, qualquer que seja o prognóstico – é essa a natureza dos Cuidados Paliativos – e porque existe um grande tabú e medos, por estarem erradamente associados a encurtarem a vida e servirem para ajudar a morrer.
“A prioridade deveria ser para garantir o acesso aos cuidados de saúde que verdadeiramente intervêm no sofrimento e não para a execução da morte”
Jornal da Madeira – O medo da morte, que continua a ser para muitos um tabu, alimenta esse desconhecimento, quando devia acontecer precisamente o contrário?
Isabel Galriça Neto – A morte é uma inevitabilidade, faz parte da própria vida e como tal nela deve ser integrada. Negá-lo e não discutir com serenidade e conhecimento a preparação para esse facto ineludível só contribui para vivermos pior no final da nossa vida, com sofrimento que é evitável e tratável e que ninguém deseja, para sermos também menos felizes. Não queremos discutir o que tememos, mas não realizamos as consequências disso mesmo.
Jornal da Madeira – A questão da Eutanásia veio baralhar ainda mais estas questões? Não se tem um assunto devidamente esclarecido diante da opinião pública, que nem sabe que tem direito a receber Cuidados Paliativos e já se levantam tantas outras questões…
Isabel Galriça Neto – Os cuidados paliativos justificam mais informação e formação, independentemente das questões da eutanásia. A finalidade e os meios são completamente distintos e temos que o ter bem claro, não são duas faces da mesma moeda.
Há imensa ignorância sobre a temática da morte provocada a pedido, sobre as consequências de uma lei elaborada ao arrepio de peritos e dos que efectivamente tratam pessoas em fim de vida. A propósito de uma pretensa compaixão, abre-se a porta a muitos resultados negativos e por falta dos cuidados de saúde adequados empurram-se pessoas sem liberdade de opção para pedirem a execução da sua morte.
“quebrar mitos e preconceitos sobre a natureza dos Cuidados Paliativos, enquanto cuidados de saúde que todo o sistema de saúde deve disponibilizar e enquanto direito de todos os portugueses”.
Jornal da Madeira – Estamos perante um novo revés, uma vez que se volta a ‘desinvestir’ numa área que não tem por finalidade o prolongar da vida, mas dar ao doente a dignidade que ele merece até chegar a hora da sua partida?
Isabel Galriça Neto – Os portugueses necessitam ser mais exigentes com os que os governam e saber que os Cuidados Paliativos são um direito constitucional, um verdadeiro direito humano, que não está assegurado para dezenas de milhar de portugueses. Isso é que é penoso, perigoso e irresponsável. A prioridade deveria ser para garantir o acesso aos cuidados de saúde que verdadeiramente intervêm no sofrimento e não para a execução da morte, que nem sequer constitui um tratamento, não torna a vida mais digna nem moderniza a sociedade.
“Venham à Semana da Vida, porque certamente vai valer a pena participar destas duas sessões”.
Jornal da Madeira – Agora sim, pedia-lhe que nos falasse um pouco dos temas das duas conferências que vem realizar no Funchal e cujos temas são: “Intervir no sofrimento em fim de vida, com ciência e humanismo” e “Mitos e medos no final de vida, conhecê-los para viver melhor”…
Isabel Galriça Neto – Irei explorar as questões já aqui abordadas, numa linguagem acessível a todos, visando quebrar mitos e preconceitos sobre a natureza dos Cuidados Paliativos, enquanto cuidados de saúde que todo o sistema de saúde deve disponibilizar e enquanto direito de todos os portugueses. Foi também isso que pretendi fazer no livro que lancei há meses “Da Ciência, do Amor e do valor da Vida”, onde poderão encontrar respostas sobre a realidade e os problemas do fim de vida.
Deixo aqui uma questão para os leitores: têm a certeza de que sabem o que são cuidados paliativos e de que você e a sua família poderão ter acesso a eles para os ajudar a viver com qualidade e dignidade? Não? Venham à Semana da Vida, porque certamente vai valer a pena participar destas duas sessões.
[Esta entrevista foi realizada através do correio eletrónico].