Atualização do Clero: “O Espírito é abertura da missão de Deus em Jesus para a própria humanidade” – João Duque

Foto: Duarte Gomes

Nesta terça-feira, 24 de janeiro, teve início no Seminário Diocesano do Funchal a Semana de Atualização do Clero onde participaram 50 sacerdotes.

O Professor João Duque, orador convidado, apresentou na primeira parte da conferência dedicada ao “Espírito Santo como terceiro”, os quatro contextos fundamentais para entender a questão do Espírito Santo: Contexto bíblico, contexto helénico, contexto moderno e contexto pós-moderno.

1) Em contexto bíblico, o conceito “ruah” (Espírito), surge como uma das principais mediações de Deus na história, a par da “sabedoria” e da “palavra”. A caraterística principal destas mediações é a possibilidade da relação de Deus com o povo e a relação do povo com Deus. Assim a experiência de Deus surge no dinamismo com as mediações de Deus. Um exemplo é a mediação de Deus na Lei, muito presente em Israel. Pelo Espírito, Jesus enquanto ser humano é também plenamente Deus connosco. O Espírito “torna possível que Deus seja humano, sem deixar de ser Deus”. Nos escritos de São Paulo encontramos talvez o primeiro grande impulso para o desenvolvimento da noção de Espírito Santo como uma pessoa da Trindade.

2) O contexto helénico tem a ver com o “pneuma”. É possível questionar se na cosmologia grega a noção de Espírito de Deus corresponde completamente à noção de “pneuma”. Nesta cultura encontra-se, na vertente mais gnóstica, a contraposição entre o espírito e a matéria. Outro elemento presente na cultura helénica é a cosmologia hierárquica.

3) Na modernidade deu-se uma aproximação entre o “pneuma” e o “nous”, a capacidade racional do humano. Na gnose pura, a dimensão salvífica está no desenvolvimento da razão e distanciamento em relação à matéria. Considera-se que a esperança da salvação está no desenvolvimento da capacidade racional, nomeadamente da ciência.

4) No Contexto pós-moderno encontra-se uma cultura espiritualizada onde o corpo é tratado como instrumento em função de um significado social. Nas Redes Sociais, as identidades são construídas não pela dimensão corpórea, que “passa a ser pouco significativa”, mas pelo discurso. “Imaginar a identidade a partir do discurso é claramente a razionalização da identidade”. Na cultura contemporânea observa-se o fascínio da espiritualidade, o proliferar da espiritualidade sem religião, sem uma base institucional, ou seja, “uma leitura espiritual da existência sem relação às tradições religiosas mais habituais, mais estabelecidas, nomeadamente no Ocidente o Cristianismo”. No entanto, as pessoas que praticam essas espiritualidades atribuem a essas experiências sempre uma dimensão religiosa.

O grande desafio é o discernimento dos espíritos. “O espírito demasiado espiritualista não é provavelmente o Espírito cristão”. Para S. Paulo, “o Espírito que não seja o Espírito de Jesus encarnado” e o Espírito da cruz, não é o verdadeiro Espírito.

Na segunda parte da conferência, o professor catedrático da Universidade Católica Portuguesa abordou a questão “Deus Espírito, o lugar do terceiro”.

O Espírito é entendido como terceiro na relação Trinitária no sentido em que “liberta a Trindade do curto-circuito sobre si mesma”, de acordo com a solução de Ricardo de S. Vítor que apresenta o terceiro como “condilectus”, “exigência” de amor, libertando uma conceção de binaridade entre o Pai e o Filho no qual as pessoas divinas fundem-se no “único sujeito divino, sem real alteridade”.

“O Espírito é o terceiro em função ao qual o Filho responde ao Pai”. É mais do que um sentimento entre dois, trata-se de “benevolentia”, o Pai quer e deseja o bem do Filho. O Filho responde desejando o bem do Espírito (para evitar o curto-circuito). “O Pai e o Filho (ou o Pai pelo Filho) são a ‘causa’ do Espírito”.

No Espírito situa-se a abertura de Deus para o mundo. “O Espírito é abertura da missão de Deus em Jesus para a própria humanidade”.

Enquanto “agape”, o amor é a decisão de responder livremente a uma exigência de responsabilidade gratuita pelo outro. O amor não está simplesmente no âmbito do afeto. “não é simples reciprocidade, mas exposição ao outro, na exposição a uma exigência que abre para além de si, sem retorno (gratuidade absoluta)”.