Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
in: António Gedeão, “Poemas escolhidos”
Por vezes, quando leio ou ouço falar em “discursos de ódio”, ocorre-me este poema que na minha memória perpassa desde a minha infância.
O que terá mudado nas nossas gentes? Creio que só alguns discursos, porque o nosso coração e o nosso sentir está aqui poeticamente plasmado.