Aprendi, já lá vão muitos anos, que «o jornalista nunca deve ser notícia». Mas vão certamente perdoar-me este início de reportagem, porque, afinal, também se diz que «o homem põe, Deus dispõe».
Pois foi exatamente isso que aconteceu. Entusiasmada, mesmo sabendo que o meu joelho não me permitiria descer toda a íngreme estrada, combinei tudo com quem de direito para que o fotografo que me acompanha nestas andanças, pudesse fazer o percurso da famosa Romagem de São Pedro, que desce da serra ao mar.
Ele iria até à zona alta da freguesia de Santa Cruz e eu, quando muito, acompanharia a parte final da descida até à capela, o que não seria o mesmo, mas ainda assim melhor do que nada.
A vontade, como se diz, era boa. Mas nada disso aconteceu. Lá tive eu de desmarcar a ida e pedir ao Pe. Hélder Gonçalves, pároco da Lombada, que nos desculpasse por não o podermos acompanhar.
Mesmo assim, não quis deixar passar, a coisa em branco. Pedi fotos ao senhor José Manuel, para ilustrar a descida e ao Pe. Hélder que me relatasse o que foi vendo e sentindo neste regresso à normalidade, de uma romagem que voltou a contar com a presença de miúdos e graúdos.
De acordo com o relato do sacerdote, “a Romagem de São Pedro fez-se com muito entusiasmo e alegria”. Aliás o Pe. Hélder acha mesmo que “esta paragem de dois anos, incentivou ainda mais os sítios da paróquia a preparar melhor esta romagem”.
“Isto espelhou-se nos rostos de cada uma das pessoas que fui encontrando pelo caminho, mas também nas ofertas que cada sitio trouxe na romagem, para depois serem leiloadas”, explicou.
Este ano – a última vez que a marcha se realizou foram as mulheres – “coube aos homens a preparação da Festa”. Foram cerca de 20 que, “com dedicação, empenho e muito trabalho tornaram possível esta grande Festa em honra de São Pedro”.
Um acontecimento a que o Pe. Hélder se refere como “um ato de fé popular que a comunidade demonstra nestes dias de festa e que contagia todo o concelho de Santa Cruz e mesmo aqueles que residem fora dele”.
“É muito belo viver neste ambiente de fraternidade à volta de São Pedro”, acrescenta o pároco da Lombada, que lembra que, “para o ano serão as mulheres a organizar a festa” e que espera que “também elas tenham esta dedicação e empenho para manter esta tradição que torna este talvez um dos arraiais mais genuínos na nossa Diocese”.
Mas é sempre bom lembrar que esta romagem do São Pedro que integra, desde 2009, o Inventário do Património Cultural Imaterial do país, sendo a única manifestação da Madeira a constar dessa lista, envolve todo um trabalho, que começa muito antes da íngreme descida dos grupos de cada sítio, com paragens aqui e ali para recuperar o fôlego, molhar a garganta ou ‘tapar’ uma ‘roeza’.
A mim, lá estou eu outra vez a infringir a regra, mais do que os tabuleiros com bolos e outras oferendas ou as charolas, impressiona-me a capela e a barca de São Pedro repletos de ovos.
Não, não só colados. São pacientemente amarrados um a um na estrutura do barco ou da capela. Fica a promessa, desta vez pública, de falar com quem sabe desta arte, porque nas mãos de outras pessoas o resultado seria certamente uma omelete, ainda por cima com cascas.
No final das duas horas e meia de caminho, mais coisa menos coisa, os romeiros participam na novena e Eucaristia e depois na arrematação dos produtos que chegaram até à capela.
Foi assim este ano e esperemos que continue a sê-lo com o Pe. Hélder a deixar um agradecimento e também os “parabéns à Paróquia da Lombada”.