O peregrino de Deus

Pe. Henri Le Boursicaud | D.R.

Há encontros fugazes que deixam marcas para a vida toda. Nestes dias, num grupo de amigos, lembrei-me de um padre francês que visitou o Seminário. Eu devia ter uns 16 anos. 

O Pe. Henri Le Boursicaud passou a tarde connosco a contar as suas experiências, que pareciam de outro mundo. Ele tinha acabado de publicar o livro sobre a sua peregrinação a pé, aos 75 anos de idade, 1500 km, de Paris até Roma, que durou mais de 3 meses.

Movido por uma grande paixão por Cristo e pela Igreja, ele queria encontrar-se com o Papa João Paulo II. Nesse livro, que ofereceu aos seminaristas, relata as suas reflexões sobre a necessidade de saber viver em plenitude o momento presente, escutar as necessidades do próximo e deixar-se inundar pela presença de Deus. 

No livro escreve: “tive um sentimento de força. Não estou a sonhar. Verdadeiramente, sinto-me habitado por Alguém a quem chamo Deus. Não posso dizer exatamente Quem é e exatamente o que é. Só posso dizer o que Ele não é: não é malícia, inveja, opressão, hipocrisia, incoerência, orgulho”. 

Ao longo do caminho dormia numa tenda, mas numa noite teve a oportunidade de ser acolhido num quarto. “Uma cama! Havia já um mês e meio que não sabíamos o que isso era. Penso, então, naqueles que nunca o souberam nem saberão (…) Continuarei a bater-me por eles e com eles. A miséria não é uma fatalidade. Causada pelos homens, pode e deve ser destruída pelos homens”.

Foi ordenado sacerdote nos Missionários Redentoristas. Logo nos primeiros anos, viveu com a comunidade de imigrantes portugueses num bairro pobre nos arredores de Paris, “seis mil pessoas viviam com três torneiras de água, sem luz nem recolha de lixo. Não podia ficar parado”, disse. 

Este domingo faz cinco anos da sua morte. Partiu para Deus aos 96 anos. Encontrava-se no Brasil, onde fundou a primeira comunidade Emaús, no seguimento do movimento criado por Abbé Pierre, com duas máximas: “servir antes de si aquele que é menos feliz que nós” e “servir primeiro aquele que sofre mais”. O método: recuperar a dignidade da pessoa através do trabalho, “o maior mal é a pessoa sentir-se inútil”. 

O responsável pela comunidade que o acompanhou nos últimos meses referiu, “No fim da vida, ele dizia que a chegada do Papa Francisco foi resposta à sua caminhada”.  Era um padre pobre, “de bens materiais, deixa apenas duas calças, duas camisas, uma bengala e um chapéu. Sendo que umas calças e uma blusa estão no caixão”.