D. Ivo Scapolo: O que a Diocese do Funchal tem de mais precioso é a fé das suas gentes

Foto: Duarte Gomes

Numa entrevista conjunta ao Jornal da Madeira (JM) e ao Posto Emissor do Funchal (PEF), concedida na manhã de sexta-feira, dia 11 de Junho, D. Ivo Scapolo, Núncio Apostólico em Portugal, falou da sua visita à Diocese do Funchal. Sublinhou aquilo que esta tem de mais precioso que é a fé das suas gentes, falou da necessidade de cativar os jovens, “um problema universal, sobretudo neste nosso ambiente ocidental, da Europa e da América”. Em Dia do Clero desafiou os sacerdotes da diocese e do mundo a “viverem a sua vida e o seu ministério com paixão e em sintonia com os sentimentos do Coração de Jesus”. 

JM/PEF – Esta foi a sua primeira visita à Madeira e à Diocese do Funchal. Com que impressão é que ficou depois destes dias?

D. Ivo Scapolo – Sem dúvida que a impressão com que regresso é muito positiva. Devo dizer que vou encantado com a realidade eclesial e a realidade da beleza da Ilha da Madeira, com maneira de ser e o caráter das suas gentes. Pude ver lugares muito bonitos do ponto de vista da natureza e visitar pontos importantes no panorama patrimonial e cultural como a Catedral, ou as igrejas do Colégio e de Machico, muito bem conservadas não só do ponto de vista artístico mas também litúrgico. Toda esta riqueza é expressão, é símbolo de uma outra riqueza muito mais preciosa que é a vida de fé das gentes, no Senhor, na Virgem Maria e nos Santos, de uma maneira especial em São Tiago Menor, que aqui na Madeira ainda é vivida de forma muito intensa. E sabemos que a vida de fé é um valor e um património que tem de ser sempre bem cuidado e sempre que possível aumentado e sobretudo transmitido às novas gerações. É lindo ver que as comunidades participam nas celebrações eucarísticas, nas procissões, mas é importante que tudo isso seja passado às novas gerações, estes testemunhos, para que eles próprios possam vivê-los e os ir passando.

JM/PEF – De que forma é que se pode cativar essas gerações mais novas?

D. Ivo Scapolo – Essa é a grande questão da Igreja, das famílias e dos sacerdotes e de toda a comunidade cristã. Seguramente que já se está fazendo alguma coisa. Ainda aqui há uns anos fez-se um Sínodo sobre a realidade dos jovens e agora estamos a trabalhar, a nível universal, nas reflexões deste Sínodo e como transformá-las numa pastoral que possa chegar realmente aos jovens. Tudo isto é algo que temos de fazer com espírito de fé, ensinando aos jovens a viver uma experiência de oração, de encontro com o Senhor. Para isso, há que encontrar maneiras procurando sempre fazer mais e melhor. O desfio não é fácil. O problema de transmitir os valores às novas gerações é um problema universal, sobretudo neste nosso ambiente ocidental, da Europa e da América. Sobre o que se pode fazer com certeza que a experiência futura da Jornada Mundial da Juventude será um momento. E não só a jornada, mas todo o processo de preparação e o que se seguirá depois da jornada.

“É lindo ver que as comunidades participam nas celebrações eucarísticas, nas procissões, mas é importante que tudo isso seja passado às novas gerações”

JM/PEF – Por causa da pandemia estas Jornadas Mundiais da Juventude não vão ser semelhantes a edições anteriores…

D. Ivo Scapolo – Sim, é verdade. Infelizmente, há esta realidade da pandemia que está travando as iniciativas e também a participação dos jovens. Estas não serão aquelas Jornadas da Juventude que se pensava, com grande participação de jovens de todo o mundo, mesmo que a pandemia seja superada, mas porque ela veio trazer problemas económicos às famílias havendo jovens cuja família não se pode permitir pagar uma viagem. Ainda assim, à luz destas novas situações criadas também por esta pandemia há que ver o que fazer e como fazer, para que esta Jornada Mundial da Juventude possa ajudar o maior número de jovens a perceber este património da fé e testemunhá-lo nestes tempos com os seus aspetos positivos, mas também com as suas dificuldades.

JM/PEF – Haverá a possibilidade do papa visitar a Madeira aquando da visita a Portugal em 2023 para estar presente nessas jornadas?

D. Ivo Scapolo – De certeza que os católicos da Diocese gostariam de ver o Papa e de o receber como fizeram com João Paulo II, porém essa deslocação não consta do programa. O tempo também para o Papa é sempre muito limitado e o objetivo da sua viagem são sobretudo as Jornadas Mundiais da Juventude.

JM/PEF – Voltando um bocadinho atrás, podemos dizer que nesta sua visita não encontrou então aspetos menos positivos a apontar?

D. Ivo Scapolo – Em todos os lugares há sempre luz e sombras. Não posso de facto dizer que há coisas negativas. Certamente que se poderá fazer sempre mais e sobretudo melhor. Agora, falando com as autoridades, quer as eclesiásticas quer as civis, sei que há problemas, nomeadamente para fixar os jovens na Ilha, já que muitos deles deixam a Madeira para, por exemplo ir estudar para o continente, ou mesmo para trabalhar fora daqui, porque as oportunidades de emprego são escassas. Num caso ou noutro e também para o caso dos que ficam pela ilha, o importante é que os jovens entendam que têm de viver a sua vida como um serviço e uma missão de ajudar a comunidade que os rodeia a crescer, a enfrentar os desafios e a melhorar o seu lado religioso, social e económico.

“o importante é que os jovens entendam que têm de viver a sua vida como um serviço e uma missão de ajudar a comunidade que os rodeia a crescer”

JM/PEF – Por falar de Missão, nesta sua visita exortou os cristãos da Madeira a continuarem a ser sal da terra e luz do mundo…

D. Ivo Scapolo – Qualquer pessoa que ame o Senhor deseja que o seu reino seja difundido em todo o mundo. Santa Teresinha do Menino Jesus, não obstante ter passado toda a sua vida num mosteiro, foi proclamada padroeira das missões. Tudo isto para dizer que uma pessoa pode viver aqui toda a sua vida, fazer o seu trabalho junto da família, no lugar onde o Senhor o chama a trabalhar e ainda assim viver consciente de que faz parte de um grande projeto de salvação. Depois há aqueles que são chamados, escolhidos e privilegiados com uma experiência especial de união e de fé com o Senhor Jesus e por esta experiência especial chamados a ir a outros países e continentes a anunciar e a testemunhar o Evangelho. Aqui o importante é que a Madeira já viveu estas experiências, sabemos que já deu muitas vocações sacerdotais e religiosas, de maneira que se trata de continuar com esta missão. Depois, com a sua posição geopolítica, esta experiência do passado deveria ser tida em consideração para continuar com esta missão que esta comunidade diocesana do Funchal é chamada a cumprir nos dias de hoje.

“Ser sacerdote não é um trabalho é uma missão, uma experiência de fé e de amor”

JM/PEF – Esta sua visita foi uma visita curta, porém muito intensa. No entanto não deu para conhecer todas as realidades. Conta voltar em breve?

D. Ivo Scapolo – Esta foi, de facto uma primeira visita. Mas há sempre motivos para voltar, por exemplo a conclusão de um dos processos de beatificação que estão neste momento a decorrer. Agora uma coisa vos digo é que voltar à Madeira será sempre uma alegria e nunca um sacrifício.

JM/PEF – Hoje [ontem] celebra-se o dia do Sagrado Coração de Jesus e também o dia do Clero. Que mensagem deixa aos padres da Diocese do Funchal neste dia?

D. Ivo Scapolo – A mensagem que lhes deixo é que vivam a sua vida e o seu ministério com paixão e em sintonia com os sentimentos do Coração de Jesus e sabendo que cada um é chamado pelo Senhor a colaborar no grande plano de salvação. Ser sacerdote não é um trabalho é uma missão, uma experiência de fé e de amor. Com a ajuda do Espírito Santo o sacerdote ajuda outras pessoas a conhecer e a amar o Senhor e a colocar-se à disposição do seu plano de salvação. Ser sacerdote é um privilégio e é fundamental que não seja visto como um trabalho, com horários e com regras, mas como uma missão.