Na manhã daquele sábado alguém tocou a campainha da casa de Edith, no centro de Roma. “Quando o vi na porta desatei a chorar”. Era o Papa Francisco.
“Eu li a sua entrevista, que conta o horror que a senhora e a sua família viveram durante o tempo da perseguição nazista, e fiquei muito impressionado. Por isso, pedi para poder me encontrar com a senhora e visitá-la em sua casa”, disse Francisco.
“Há muito tempo, havia uma menina que, ao sol da primavera, com as suas tranças louras esvoaçantes, corria descalça na poeira quente”. Assim começa a história da escritora húngara Edith Bruck, sobrevivente do Holocausto.
Aos doze anos foi deportada, juntamente com toda a família e vizinhos judeus, para os campos de concentração nazi. Passou por Auschwitz, Dachau e Bergen-Belsen. Antes de ser definitivamente separada da mãe, recorda um momento de luz que ficou marcado na sua memória. No comboio para Auschwitz, “a minha mãe penteou o meu cabelo e fez tranças, amarrando-o com duas fitas vermelhas e segurou-me com força a minha mão na dela”.
Poucas horas depois, a mãe foi levada para as câmaras de gás e Edith para os trabalhos forçados. Colocaram-na no “lager” C, barraca 11. “As tranças com laços caíram e fui rapada, desinfetada, coberta com um longo casaco cinzento, tamancos de madeira nos pés e um número pendurado no pescoço: 11152, desde então o meu nome”. Valeu-lhe a presença da sua irmã mais velha que tudo fez para a proteger.
“Tudo o que vivi não pode ser contado nem escrito em mil livros. Não se pode descrever a dor, a indignação moral. Nunca se poderá contar tudo, mesmo que eu não faça outra coisa que contar e escrever”, referiu Edith, falando sobre o livro autobiográfico “O pão perdido” (“Il pane perduto”, da editora: La nave di Teseo, 2021).
“O Papa também ficou muito triste com esses inocentes que foram aniquilados. Mas há sempre esperança. Há sempre uma pequena luz, mesmo na escuridão total. Sem esperança, não podemos viver”.
Edith recorda os “pequenos milagres” no campo de concentração. “Bastava um gesto, bastava um olhar humano”, para continuar a viver. Como aquele cozinheiro que lhe ofereceu um pente, pois tinha uma filha da mesma idade: “Foi a sensação de encontrar um ser humano à minha frente, depois de tanto tempo. Fiquei comovida com aquele gesto que era vida e esperança”. E concluiu, “alguns gestos são suficientes para salvar o mundo”.