O cardeal Tolentino Mendonça, que presidiu este domingo, dia 2 de agosto, à Eucaristia das 11 horas na igreja de Machico, desafiou aquela comunidade paroquial a aceitar a “grande tarefa” de viver com compaixão, explicando que Jesus precisa de mulheres e de homens de todas as idades, a começar pelos mais jovens, que sejam capazes de se compadecer, sejam capazes de curar os corações divididos, os corações feridos e que sejam capazes da condivisão, sejam capazes da partilha”.
Na sua homilia, D. Tolentino começou por lembrar que a “nossa fé não é apenas uma tradição” e que “nós não somos apenas cristãos por cultura, porque nascemos aqui em Machico ou na Madeira”, mas somos cristãos porque “somos criaturas de um criador, filhos de um pai”.
Depois de referir que muitos de nós nos revemos nas leituras de hoje, naqueles homens e mulheres que tinham fome e tinham sede e aos quais Jesus providenciou alimento multiplicando os pães e os peixes, o responsável pela Biblioteca e Arquivo do Vaticano disse ainda que “somos vidas que o próprio Jesus cura, que o próprio Jesus nutre e que, por isso, há este chamamento a uma relação de fé profunda”.
De resto, defendeu, “temos de ir sempre além e combater uma fé puramente superficial, puramente sociológica, para mergulhar na vitalidade de uma experiência porque a fé é isso: a fé é uma experiência”, um chamamento a “construir uma aliança e a sentir que nós não estamos sós”, mas que “somos um povo de filhos amados”.
“A grande descoberta das nossas vidas, queridos irmãs e irmãos, é que sobre cada um de nós Deus coloca um amor infinito e Deus está sempre pronto a construir e a reconstruir essa aliança de amor”, disse o cardeal, para logo acrescentar que “é esta certeza de um amor com esta qualidade, com esta resistência que é a nossa âncora e o nosso trampolim porque é da imersão concreta, palpável, consciente no amor de Deus, que depois podemos entender a nossa vida de outra forma”.
No Evangelho, explicou, vemos que Jesus está numa situação difícil, mas que nem por isso deixa de realizar a sua missão. E, frisou, “o ponto de partida é a compaixão” e por isso “as vidas que Jesus encontrou são vidas transformadas, são vidas que se renovam, que se modificam. Os nossos braços cansados ganham asas, as nossas desilusões transformam-se em sonhos, as nossas dificuldades transformam-se em oportunidades para a fé, as nossas doenças em hipótese de cura, a nossa fome e a nossa sede transformam-se num banquete”.
E, frisou, “a gente pode acreditar nisto por ouvir dizer, ou pode acreditar nisto porque experimentou” e quando isso acontece “esta fé já não nos deixa mais”. Esse, disse, “é o grande desafio que eu queria deixar à amada comunidade cristã de Machico: que cada um de nós pudesse fazer essa experiência de amor, porque Deus não é apenas um Deus distante, que não nos atravessa por dentro, não nos faz estremecer, que não nos cura, que não nos restaura, mas um Deus de amor”.
Força incalculável da fé
E o fundamental da vida cristã é isso mesmo. É “sentir que este amor é um amor de verdade em mim, na minha vida, na minha história. Eu acredito em Deus, porque fiz a experiência deste amor, porque senti a compaixão de Deus para comigo. Ele amou-me na minha pequenez, na minha miséria, no meu pecado e amou-me com um amor único e eu senti-me restabelecido, encorajado, fortalecido nesse amor”. De resto, explicou, é quando as comunidades cristãs fazem a “experiência radical, profunda, de um amor assim” que “nós percebemos qual é a nossa missão”.
De resto, o Evangelho deste dia, mostrava-nos que podemos ter pouco, mas que quando juntamos esse pouco à fé, “isso com a fé multiplica-se, isso com a fé tem uma força incalculável”. Ou seja, “o pouco que nós temos, e que nós somos, com a fé, torna-se pão para alimentar muitas fomes”. É por isso que é preciso “acreditar no poder da fé, e naquilo que ela pode de facto fazer e é tanto”.
“Nós sabemos somar e diminuir, já multiplicar é uma coisa difícil, que sentimos que não está ao nosso alcance. Se eu tenho um pão não tenho dois pães. Tenho de ser objetivo, tenho de aceitar”. Porém, a fé “dá-nos essa capacidade de multiplicar” e o certo é que “quanto mais se reparte, mais fica”. De resto, “já dizia a Madre Teresa de Calcutá que só temos aquilo que damos”.
Se aceitarmos fazer da nossa vida dom, disse ainda o responsável pela Biblioteca e Arquivo do Vaticano, “então vamos perceber que a vida multiplica-se e que não são as nossas forças as nossas competências, não são os nossos recursos é Deus a atuar em nós, é Deus que age por nosso intermédio, é Deus que sacia a fome do coração dos nossos irmãos”.
Acreditar no poder da partilha
O cardeal Tolentino terminou a sua reflexão apelando aos irmãos e irmãs para que “vivamos esta missão que Jesus confia à sua Igreja. Ele precisa hoje de mulheres e de homens de todas as idades, a começar pelos mais jovens, que sejam capazes de se compadecer, sejam capazes de curar os corações divididos, os corações feridos e que sejam capazes da condivisão, sejam capazes da partilha, sejam capazes de acreditar no poder da partilha”.
Depois de frisar que “não é apenas o pão material que nos sacia”, e de reconhecer que “vivemos hoje horas de grande preocupação com o pão material”, o responsável pela Biblioteca e Arquivo do Vaticano frisou que “é o pão do amor, o pão espiritual aquilo que não pode faltar”.
D. Tolentino revelou ainda que quando foi nomeado cardeal, recebeu do Papa Francisco uma carta na qual este lhe pedia, tal como aos restantes cardeais, para que fosse “homem de compaixão”. E precisamos efetivamente disso. “De evangelizar o nosso coração em ordem à compaixão” e sobretudo de a “praticar”, deixando “cair falsos juízos e sentimentos” pelos outros, procurando “perceber o ser humano que está ali”, tendo a capacidade de se colocar no lugar do outro, transformando “a agressividade em doçura, em tolerância, em respeito, em aceitação”.
“Essa vitória da violência no nosso próprio coração é um chamamento a viver a compaixão”, referiu ainda cardeal que pediu “à comunidade paroquial de Machico, que está tão ligada à minha vida, à minha infância que, por um lado, me ajudasse a viver na compaixão, me recordasse essa palavra que é tão difícil de viver, mas tão necessária. E que esta comunidade também vivesse a compaixão. Sentisse que quando o Papa escreveu a um dos seus filhos a pedir para viver como um homem de compaixão também estava a escrever a esta comunidade paroquial e a pedir que ela descobrisse a compaixão e vivesse a compaixão como uma grande tarefa”.
De resto, concluiu, “se nós enchermos este vale de mulheres e homens construtores de compaixão nós vamos todos ficar na História, porque o grande chamamento é a santidade, o grande chamamento é a fidelidade ao amor de Deus. O grande chamamento é podermos no nosso pequenino, na nossa humildade conservar os grandes tesouros de amor que Deus nos confia”.
Estreitar laços
No início da celebração o cónego Manuel Martins, pároco de Machico, começou por agradecer a D. Tolentino “a amabilidade de ter aceitado o convite que lhe enviei em meu nome pessoal e da comunidade de Machico, juntamente com o convite manifestado da Confraria do Santíssimo Sacramento” e por sublinhar ser com “grande alegria e enorme satisfação, partilhada por todos aqui presentes, que acolhemos a honrosa visita de sua eminência o Senhor Cardeal D. Tolentino de Mendonça”.
Uma presença que, disse, “nos fortalece na fé e na amizade” e contribui para “estreitar laços de comunidade e de comunhão eclesiais, ajudando a estabelecer uma sociedade mais humana e solidária, de acordo com o que o Papa Francisco chama de cultura do encontro”, que visa “combater a indiferença que prevalece nas sociedades e nos indivíduos”, situações que se agravaram neste tempo de pandemia.
Como nota de reportagem de referir que, tanto à sua chegada à igreja como à saída, D. Tolentino foi recebido com palmas pelos seus conterrâneos, que não escondiam a satisfação por participar numa celebração presidida por tão ilustre filho da terra.
Um filho que, no início da Eucaristia, depois de agradecer a presença dos fiéis, do presidente da Assembleia Legislativa da Madeira e da Câmara de Machico disse que, ao contrário do que pensa um escritor italiano, “acredito que se deve voltar aos lugares onde fomos felizes e devemos voltar porque temos com esses lugares uma grande dívida de gratidão”. E “profunda gratidão” foi o que Tolentino Mendonça quis manifestar à comunidade paroquial de Machico, que o acompanhou em ocasiões “belas e profundas”, que marcam a sua vida, referindo mesmo que “Machico está indelevelmente ligado à minha história, e tenho muito orgulho nisso”.
O cardeal disse ainda que “rezo sempre pela fecundidade da vida espiritual da nossa comunidade e peço ao Senhor para que este vale verdejante seja um lugar de paz, um lugar de prosperidade e um lugar onde a fé mantém aquela vitalidade que é capaz de tocar o coração e de tornar melhor o mundo à nossa volta”.