O bispo do Funchal convidou na manhã deste domingo, dia da Solenidade de Pentecostes, os cristãos a deixarem-se “converter pelo Espírito, conduzir por Ele” e a ser “transparência, anúncio, da vida nova que nos dá o nosso verdadeiro existir”.
Na homilia da celebração a que presidiu, na Sé do Funchal, D. Nuno Brás disse que podemos viver ignorando “o tesouro que cada baptizado transporta consigo: a vida no Espírito; a vida de ressuscitado; a vida de filho de Deus, fazendo para sempre uma com a vida de Jesus Cristo”. Porém, essa não deve ser a atitude daqueles que são batizados no Espírito Santo.
“Infelizmente, a maioria dos nossos cristãos vive desse modo, ignorando o tesouro de que é portador. Mas que triste figura faz alguém que tem consigo a maior das riquezas a que algum ser humano pode alguma vez aspirar, e despreza esse tesouro, como se fosse um nada”, frisou o prelado, para logo acrescentar que “nós, cristãos, vivemos revestidos de Cristo, desde o momento do nosso baptismo. O mesmo é dizer: o Espírito de Jesus envolve-nos, passa a viver em nós. Essa é a vida nova que recebemos no baptismo, a vida de Jesus ressuscitado!”
Todos os seres humanos, lembrou, “são diferentes uns dos outros: somos únicos, criados por Deus, amados por Ele, pensados por Ele desde toda a eternidade. Mas, no momento do seu baptismo, o cristão passa a trazer consigo a Cristo, a viver “revestido de Cristo”: o Espírito do Senhor tomou conta da sua vida, como uma realidade indelével, que ninguém jamais poderá apagar.”
Leia na integra a homilia de D. Nuno Brás:
Domingo de Pentecostes
Sé do Funchal, 31 de Maio de 2020
“Baptizados no Espírito”
1. “Todos nós – judeus e gregos, escravos e homens livres – fomos baptizados num só Espírito, para constituirmos um só Corpo”, afirmava S. Paulo, na IIª Leitura que escutámos (1Cor 12,13).
A comunidade de Corinto, por quem o Apóstolo nutria uma especial predilecção, estava dilacerada por divisões. S. Paulo sentiu-se, por isso, no dever de lhes recordar as raízes da fé: “todos somos baptizados num mesmo Espírito”. Que significa sermos “baptizados no Espírito”?
Ao dizer isto, o Apóstolo faz, sem dúvida, referência àquele acontecimento cujo relato escutámos na Iª leitura, e que passou a marcar a vida de todos os cristãos: naquela manhã, 50 dias depois da Páscoa, na festa judaica do Pentecostes, quando era celebrada e renovada a Aliança do Sinai, o Espírito de Jesus ressuscitado — que é o Espírito Santo — rompeu os muros (aqueles muros físicos das casas, mas também aqueles outros muros que tornam os corações amedrontados, e ainda aqueles outros que tornam difíceis, senão impossíveis, as boas relações entre os povos, como a diferença das línguas) — o Espírito divino rompeu os muros, para encontrar a sua morada sobre cada um dos Apóstolos, enchendo-os com os seus dons.
E, como consequência deste acontecimento, os discípulos sairam, anunciando que Jesus estava vivo, cheio da vida de Deus, e anunciando também que essa vida eterna (que refulgia em Jesus ressuscitado) era uma vida oferecida a todos nós, seres humanos. Isso mesmo disse S. Pedro, dirigindo-se aos judeus, presentes em Jerusalém naquela manhã do Pentecostes: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja baptizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos pecados. Então recebereis o dom do Espírito Santo. Pois a promessa é para vós, assim como para os vossos filhos e para todos aqueles que estão longe, isto é, para quantos o Senhor, nosso Deus, chamar” (Act 2,38-39). “Cada um seja baptizado em nome de Jesus […]; recebereis o Espírito Santo; […] a promessa é para vós e para todos”!
Por isso, quando escrevia aos Coríntios, recordando-lhes que eram baptizados no Espírito, para além de fazer referência ao dia de Pentecostes, S. Paulo fazia, também, referência ao sacramento do baptismo que os cristãos tinham recebido depois de terem escutado o Evangelho que ele lhes tinha anunciado, e que fazia deles homens novos — homens que tinham recebido, como os Apóstolos, o Espírito de Jesus, o Espírito Santo.
2. A água, realidade essencial à vida humana, tornou-se para a humanidade de todos os tempos, um símbolo de purificação. Não espanta, por isso, que muitas religiões a usem para realizar os seus ritos: antes de se apresentar diante de Deus, o crente lava-se na água, mostrando, desse modo, que deseja realizar aquele rito com o coração puro, com sinceridade.
Também no judaísmo se usava a água para vários ritos de purificação, em particular na iniciação dos prosélitos, quer dizer, para o acolhimento de alguém que, não tendo nascido de pais hebreus, queria passar a fazer parte do povo de Israel: deveria ser circuncidado, mergulhar na água e oferecer o sacrifício.
E, no início do Novo Testamento, aparece-nos João Baptista. Contudo, o baptismo de João é diferente de todos estes ritos pagãos e judaicos. Trata-se de um acto profético que convida todo o povo de Israel a reconhecer o seu pecado, a sua infidelidade à Aliança com Deus e, por isso, a fazer penitência. Quantos se dirigem às margens do rio Jordão, não se lavam a si mesmos mas são mergulhados na água pelo Baptista, em sinal de arrependimento e de perdão, preparando-se, desse modo, para a vinda próxima do Messias.
João Baptista, no entanto, ao anunciar a vinda do Messias, anunciou igualmente um outro (e esse definitivo) baptismo. Dizia ele: “Eu baptizo-vos em água, para o arrependimento. Mas aquele que vem depois de mim […] baptizar-vos-á no Espírito Santo e no fogo” (Mt 3,11).
3. O baptismo no Espírito Santo: eis o que caracteriza o baptismo de Cristo, o baptismo cristão.
Quando sobre nós foi derramada a água, o Espírito Santo desceu sobre nós e encontrou em nós a sua morada, configurando-nos com Jesus Cristo.
Na Carta aos Gálatas, S. Paulo diz: “Todos vós que fostes baptizados em Cristo, fostes revestidos de Cristo” (Gal 3,27). Nós, cristãos, vivemos revestidos de Cristo, desde o momento do nosso baptismo. O mesmo é dizer: o Espírito de Jesus envolve-nos, passa a viver em nós. Essa é a vida nova que recebemos no baptismo, a vida de Jesus ressuscitado!
Todos os seres humanos são diferentes uns dos outros: somos únicos, criados por Deus, amados por Ele, pensados por Ele desde toda a eternidade. Mas, no momento do seu baptismo, o cristão passa a trazer consigo a Cristo, a viver “revestido de Cristo”: o Espírito do Senhor tomou conta da sua vida, como uma realidade indelével, que ninguém jamais poderá apagar. E esse é o tesouro que cada baptizado transporta consigo: a vida no Espírito; a vida de ressuscitado; a vida de filho de Deus, fazendo para sempre uma com a vida de Jesus Cristo.
Claro que podemos viver ignorando tudo isso. Infelizmente, a maioria dos nossos cristãos vive desse modo, ignorando o tesouro de que é portador. Mas que triste figura faz alguém que tem consigo a maior das riquezas a que algum ser humano pode alguma vez aspirar, e despreza esse tesouro, como se fosse um nada!
4. Que se espera de alguém que quer viver como “baptizado no Espírito”? Espera-se que se deixe converter pelo Espírito; que se deixe conduzir pelo Espírito; e que a todos torne transparente a vida no Espírito.
Que se deixe converter pelo Espírito. Quer dizer: tomando consciência do que somos, da nossa fraqueza e do nosso pecado, não podemos deixar de aspirar a ser melhores, a viver sempre e em cada dia mais à imagem de Jesus. A converter-nos, a deixarmo-nos transformar em cada dia que passa.
Que se deixe conduzir pelo Espírito. Quer dizer: que deixe que o Espírito Santo ilumine a sua vida, o caminho dos seus dias, as suas escolhas — aquelas de cada momento e aquelas que dão sentido a toda uma existência.
Que seja transparência do Espírito. Quer dizer: que aqueles quantos o encontrarem percebam a vida de que aquele cristão é portador, a vida de Deus, oferecida a todos.
Somos baptizados no Espírito Santo. Recebemos o tesouro da vida nova de Jesus ressuscitado. Deixemo-nos converter pelo Espírito, conduzir por Ele, e sejamos transparência, anúncio, da vida nova que nos dá o nosso verdadeiro existir.