Pobreza: dignidade humana, exploração e escravidão

D.R.

Grito dos pobres é um grito de esperança

Jesus de Nazaré nos ensinou que, à nossa porta está o pecado, “agachado, esperando para entrar e nos destruir”, recorda Francisco, exortando também a fazer a pergunta que Deus fez a Adão depois do pecado: “Adão, onde você está”? (Génesis 3, 9).

“E Adão se escondeu de vergonha, de medo. Talvez tenhamos também sentido essa vergonha. Onde está o seu irmão? Em que mundo você vive que  não percebe essas coisas, esses sofrimentos, essas dores? Não se esconda da realidade. Responda abertamente, com lealdade.

“Quantas vezes, mesmo na Igreja, as vozes dos pobres não são escutadas, acabando talvez silenciadas, porque incómodas. Saibamos escutar o grito dos pobres: é o grito de esperança da Igreja”, declarou, na homilia da Missa de encerramento do Sínodo para a Amazónia.

Após três semanas de trabalhos, acompanhadas por críticas de diversos setores, no interior da Igreja Católica, Francisco questionou: quem “levanta muros” perante os excluídos e os necessitados, “para aumentar as distâncias torna os outros ainda mais descartados”. Os erros do passado não foram suficientes para deixarmos de saquear os outros e feri-los e à nossa irmã terra.

Arrogância dos ricos e exploração dos pobres

Na mensagem para o III Dia Mundial dos Pobres, que se vai celebrar no próximo domingo (17/11), o Papa Francisco escreveu: «A esperança dos pobres jamais se frustrará» (Sal 9, 19). É esta uma verdade profunda, que a fé consegue gravar sobretudo no coração dos mais pobres: a esperança perdida por injustiças contra o pobre e a arrogância de quem o oprime (Sal 10, 1-10).

No período da redação do Salmo, assistia-se a um grande desenvolvimento económico, que acabou por gerar fortes desequilíbrios sociais: muitos indigentes, em situação dramática, comparada com a riqueza alcançada por poucos privilegiados.

Os arrogantes espiavam os pobres para se apoderar até do pouco que tinham, reduzindo-os à escravidão. Mas lembremos: «Porque dizes: “enriqueci e sou rico, nada me falta”, e não te dás conta de que és um infeliz, um miserável, um pobre, um cego, um nu?» (Apocalipse 3, 17).

Novas formas de escravidão

Deparamos hoje com novas formas de escravidões a que estão submetidos milhões de homens, mulheres, jovens e crianças. Vejamos, aproveitando também sugestões do Papa (III DMP, 3) famílias obrigadas a deixar a sua terra à procura de formas de subsistência; órfãos que perderam os pais na guerra ou entre as ondas de refugiados; jovens em busca duma realização profissional; vítimas de tantas formas de violência: doméstica, abuso sexual infantil, sequestro de crianças-soldado, prostituição, droga, tráfico órgãos, e humilhação.

E, “como esquecer os milhões de pessoas sem-abrigo e marginalizadas que vagueiam pelas ruas das nossas cidades; os pobres nas lixeiras a catar o descarte e o supérfluo, a fim de encontrar algo para se alimentar ou vestir, tendo-se tornado, eles próprios, parte duma lixeira humana; pobres, frequentemente considerados parasitas da sociedade, a quem não se lhes perdoa sequer a sua pobreza; pobres tidos como ameaça vivendo no túnel da miséria” (III DMP 3). Vagueiam duma parte para outra da cidade, esperando obter um emprego, uma casa, um afeto…; constrangidos durante horas infinitas sob um sol abrasador para recolher a fruta da época, são recompensados com um ordenado irrisório; não têm segurança no trabalho; e nem sequer podem adoecer.

Com vivo realismo, o salmista descreve o comportamento do rico que rouba o pobre: «Arma ciladas para assaltar o pobre e (…) arrasta-o na sua rede» (Sal 10, 9). Para os ricos, é como se se tratasse duma caçada, na qual os pobres são perseguidos, presos e feitos escravos.

Dignidade humana de todos

“No trabalho com os pobres há uma qualidade, ‘norteadora de todas as outras’: o respeito pela dignidade humana”, assumiu Eugénio Fonseca, presidente da Cáritas portuguesa, na abertura da Conferência da Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) «Com os pobres», no dia 9 de novembro 2019. “Devemos lutar contra a pobreza, não contra os pobres”, disse.

Sublinhou que a “erradicação da pobreza” está ao alcance da humanidade. Para isso “temos de agir sistemática e estruturalmente nas causas da pobreza”, enfatizou. A pobreza conduz à violação dos direitos humanos.

Para Eugénio da Fonseca, o combate à pobreza “deve ser desígnio nacional”. Em 2019, a remuneração mínima portuguesa é a 8ª mais fraca em poder de compra. Os trabalhadores portugueses que ganham o mínimo são, na prática, mais pobres que os gregos, romenos e lituanos, por exemplo.

“Se a subida do salário mínimo nacional (SMN) que o governo promete (até 750 euros brutos mensais em 2023) fosse concretizada integralmente agora, Portugal subiria apenas dois lugares no ranking da União Europeia (UE), ultrapassando os valores que vigoram em Malta e Grécia. Mas continuaria abaixo da média europeia e de Espanha, indicam cálculos do Dinheiro Vivo”, com base em dados do Eurostat, citados por Luís Reis Ribeiro.

Um salário que não tem acompanhado a subida dos produtos de consumo fundamentais: renda de casa, saúde e medicamentos,… Há cerca de 25% a viver em nível de pobreza!