Na Eucaristia: descobrir o rosto de Deus e dos irmãos

El Greco, "O Salvador" | Convento franciscano de las Descalzas Reales, Valladolid, Espanha

O desejo de conhecer Deus, de ver o rosto de Deus, está ínsito em cada homem, disse Bento XVI 

1. O Vaticano II, na Constituição ‘Dei Verbum’ sobre a Revelação Divina, afirma que a verdade íntima de toda a Revelação de Deus resplandece para nós “em Cristo, que é o mediador e ao mesmo tempo a plenitude de toda a Revelação” (Const. Apost. Dei Verbum, 2). O Antigo Testamento narra-nos como Deus, depois da Criação, não obstante o pecado original e apesar da arrogância do homem ao querer colocar-se no lugar do seu criador, oferece de novo a possibilidade da sua amizade, através da aliança com Abraão, com um pequeno povo, o povo de Israel, que ele escolhe não com critérios de poder, mas simplesmente por amor. 

Esta escolha revela o estilo de Deus que chama alguns para servir os outros. Na história do povo de Israel, Deus faz-se conhecer, revela-se e entra na história com palavras e acções através mediadores como Moisés, os Profetas e os Juízes que comunicam ao povo a sua vontade, recordam a exigência da fidelidade à aliança e mantêm viva a esperança na realização das promessas divinas. 

Em Jesus de Nazaré, Deus revela-se em plenitude, visita o seu povo e a humanidade: envia seu Filho único, Deus se faz homem. João escreve no seu evangelho: “Ninguém nunca viu a Deus. O Filho único, que está no seio do Pai, foi quem o revelou” (Jo 1, 18). 

2. Jesus um dia tem uma conversa com os seus discípulos na qual fala de Deus Pai. E Filipe pede a Jesus: “mostra-nos o Pai, e isso nos basta”. É prático e concreto: pede para ver o Pai, para ver o seu rosto. Jesus responde: “Aquele que me viu, viu também o Pai”, introduz-nos no coração da fé cristológica: na gruta de Belém é possível ver Deus, Deus manifestou o seu rosto, é visível em Jesus Cristo. 

Em todo o Antigo Testamento está bem presente o tema da “procura do rosto de Deus”, o desejo de ver Deus como Ele é. O termo hebraico panîm, que significa “rosto”, aparece 400 vezes, das quais 100 se referem a Deus: deseja-se ver o rosto de Deus. E no entanto a religião judaica proibia totalmente as imagens, para não caírem na idolatria. Mas como é que o povo israelita procura ver o “rosto” de Deus se não pode ser representado em imagens?! 

É que Deus não pode ser a alguém lá do Alto a olhar para a humanidade, mas afirma-se que Deus tem um rosto, ou seja, que é um “Tu” que pode entrar em relação. Assim Deus está acima de todas as coisas, mas dirige-se a nós, ouve-nos, vê-nos, fala-nos, faz uma aliança e é capaz de amar. A história da salvação é a história desta relação de Deus que se revela progressivamente ao homem, que faz conhecer o seu rosto. 

3.O esplendor do rosto divino é a fonte da vida, e a luz da sua face é a guia da vida. No Antigo Testamento a expressão “rosto de Deus, aparece no capítulo 33 do Livro do Êxodo, onde se afirma que Moisés, escolhido para tirar o povo da escravidão do Egito, tinha uma relação estreita e confidencial com Deus: “O Senhor entretinha-se com Moisés face a face, como um homem que fala com o seu amigo” (v. 11). Moisés pede a Deus: «Mostrai-me a vossa glória!», e a resposta de Deus é clara: «Farei passar diante de ti todo o meu esplendor, e pronunciarei diante de ti, o meu nome… Mas não poderás ver a minha face, pois o homem não me poderia ver e continuar a viver…».

Na Encarnação algo acontece completamente novo. A busca do rosto de Deus passa por uma transmissão inimaginável: é possível ver o rosto de Jesus, do Filho de Deus que se faz homem. «Quem O vê, vê o Pai, diz Jesus a Filipe (Jo 14, 9). Em Jesus, a mediação entre Deus e o homem encontra a sua plenitude: o «Mediador» da aliança, como o define o Novo Testamento (Jo 1, 17; Gl 3, 19; Act 7, 35). Verdadeiro Deus e verdadeiro homem – «Mediador» da nova e eterna aliança. (Hb 8, 6; 9, 15). 

4.O desejo de conhecer Deus realmente, ou seja, de ver o rosto de Deus está presente em todo o ser humano. E nós talvez tenhamos, de modo inconsciente, este desejo de ver simplesmente quem Ele é, o que Ele é, quem é Ele para nós. Mas este desejo só se realiza seguindo Jesus Cristo em todas as ocupações diárias da nossa vida. Toda da nossa existência deve ser orientada para o encontro de Cristo; e nela um lugar central deve ser ocupado pelo amor ao próximo que nos faz reconhecer o rosto de Jesus no pobre, no frágil e no sofredor. Na Exortação Apostólica “Cristo Vive” Francisco lembra aos jovens: correi «atraídos por esse Rosto tão amado, que adoramos na Eucaristia e que reconhecemos na carne do irmão sofredor» (CV 299)

O rosto de Jesus torna-se familiar para nós quando o escutamos na Eucaristia, quando entramos em comunhão íntima com Ele. Diz o Papa Francisco numa das suas catequeses: “Quando nos aproximamos da Eucaristia, dizemos: ‘Receber a Comunhão’, ‘fazer a Comunhão’: isto significa que a participação na mesa eucarística nos faz experimentar já a plena comunhão com o Pai que caracterizará o banquete celeste onde, com todos os Santos, teremos a alegria de contemplar Deus face a face”.