A diferença de um Novo Testamento 

D.R.

A propósito do massacre de Nova Zelândia, vale a pena não esquecer que o Catolicismo tem um Antigo e um Novo Testamento.

O homicídio de 50 pessoas nas mesquitas de Nova Zelândia levantou um alvoroço de pontos de vista contraditórios. Antes de tudo, foram mortas pessoas que eram muçulmanos. Ser dessa religião é secundário, a primeira coisa a deplorar é serem assassinados muçulmanos ou cristãos. É sempre massacre.

Alguns acham que se está a deplorar mais estes muçulmanos que os milhares e milhares de cristãos que tem sido massacrados à maneira de genocídio na República Centro-Africana e antes no Sudão e milhares em vários países, como que a significar que devia ser mais seletiva a condenação segundo a religião ou ideologia que cada um segue. E mais ainda, segundo os erros, ódios e vinganças que se descortinam nas vítimas ou nos que matam e se estes são extremistas muçulmanos, doutra religião ou de nenhuma. Sim, parece que nos livros das religiões monoteístas (e nos dos ateístas?) há erros e expressões de vingança e de violações dirigidas aos «infiéis» do outro lado, mas isso não justifica a barbárie.

Alguns cristãos esquecem que Jesus veio completar a Lei e as tradições: «Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem» (Mt.5 43-44). «Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados» (Lc 6, 37).

Jesus mudou o pensamento único da moda. E disse, para surpresa dos ouvintes: julgais que «os galileus massacrados por Pilatos eram mais pecadores? Ou os dezoito da torre de Siloé?» (Lc13, 1-9). Todos os seguidores de religiões e os que se agarram a misturas de ideologias religiosas e irreligiosas, e mais ainda se delirantes, continuam a ser fracos e pecadores, mas tendem a convencer-se que alguns doutra cor são mais pecadores que eles. Jesus, nestas questões sobre os galileus massacrados, incomoda; parece estar a defender o terrorismo e a luta armada dos galileus. Mas está apenas a dizer que as autoreferências ideológicas de inocentismo se pegam a todas as pessoas.

Quando o papa Francisco exprimiu lamentação e referiu em especial os muçulmanos assassinados nas mesquitas, alguns sentiram indevidamente que estaria a aprovar alguns versículos de violência do Alcorão contra os cristãos! Não é preciso ser especialista de estudos corânicos e islamitas para verificar que há lacunas nas tradições desta religião, como já havia no Antigo Testamento. Este foi completado com o Novo.

O Novo Testamento cristão existia há séculos antes dos muçulmanos. Estes, como tantos grupos religiosos da história, rejeitaram-no. Não se sabe como, mas enquanto não o aceitarem, essa lacuna, eventualmente, ocasionará estragos humanos, violações e mortes. À primeira vista, o Islão aceitou profecias do Antigo Testamento, mas não aceitou o Profetizado nem o seu Novo Testamento e ainda o contrariou. Virão a aceitá-lo? O seu livro, que não foi escrito por Maomet, ficou sem um garante histórico autorizado.

Dir-se-ia, sem ofensa, que o Islão nasceu já com divisões e contradições armadilhadas de indícios de violência para dentro e para fora; e sem um Pedro inicial autorizado com a missão histórica de mediador de conflitos.

Surpreende que de dentro do Cristianismo alguns tendam a desvalorizar a autoridade clarificadora de Jesus Cristo; e a escolha solene de Jesus de um «Cabeça». A falta de um novo testamento, de um líder autorizado e de assembleias gerais, à maneira dos concílios cristãos, ocasionam equívocos evitáveis. Talvez por isso, a história muçulmana mostre catorze séculos, não apenas de escravizações e mutilações, mas de tantos genocídios de milhões de negros massacrados, como os que Tidiane N’Diaye relata no seu livro «O genocídio ocultado». E quase sempre programados à margem de guerras recorrentes.

O fanatismo religioso e antireligioso roubam a liberdade de consciência e a dignidade dos filhos de Deus, nossos irmãos. O gentio Centurião confessou: «verdadeiramente este é o Filho de Deus» (Mt 27, 54; Lc 23,47 e Mc 15,39); os fanáticos do Sinédrio rejeitam Jesus e escolhem Barrabás.