Na Primeira Lombada, Ponta Delgada, o Natal não se vive apenas portas adentro. Ali há tradições que são únicas e que trazem a população para a rua, nomeadamente na Primeira Oitava.
Mas para que essas tradições possam ser vividas em pleno, há que as preparar com o devido tempo de antecedência. Foi por isso que no sábado, dia 18 de novembro, um punhado de homens, 11 para ser mais exata, subiram até à serra para ir buscar o pau para a gangorra.
Trata-se de uma espécie de baloiço formado por dois paus em que um – o moirão – fica assente no chão, enterrado na vertical a uma determinada profundidade para que se mantenha firme e o outro, uma espécie de trave curvada a lembrar um queijado, geralmente de pau-de-louro e de grande envergadura, é colocado suspenso sobre o moirão.
Em cada extremidade senta-se depois um jogador que irá alternadamente impulsionar a gangorra ora acima e abaixo ora ainda rodando em torno do moirão vencendo o jogador que demonstrar mais destreza.
Este jogo, “… não é exclusivo da tradição madeirense, embora não se saiba ao certo a sua origem.” (CAMACHO, 1996:20), sendo que segundo algumas fontes históricas, provenha de uma adaptação do baloiço e era praticado pelos membros da comunidade, por alturas das festividades de Natal, em específico na Festa da Primeira Oitava, que na Primeira Lombada de Ponta Delgada, sempre foi celebrado de forma entusiástica com a realização do tradicional “panelo” e jogos populares como o jogo do lenço, o jogo do cabo, ou a barra.”
Há pelo menos quatro anos que alguém já tinha aquela árvore “na mira”. Quem tem olho, sabe ver se ela tem ou não a forma ideal para a gangorra. E aquela, verdade seja dita, até acabou por sair melhor do que a encomenda. Por isso foi chegar, ver e cortar. Dito assim até parece fácil. Mas esta é apenas a primeira etapa do trabalho. O mais complicado vem a seguir: levar o pesado tronco de loureiro, até ao local onde vai ser “trabalhado” e depois até ao sítio onde a gangorra vai ser montada. O melhor é ir por partes. Primeiro foi necessário trazer o tronco até ao caminho de terra. À força de braços e com a ajuda de troncos mais pequenos, que foram sendo colocados por debaixo do pesado tronco, ele lá chegou ao destino.Depois foi amarrado a um carro e trazido até uma zona mais larga da estrada cimentada. Foi aí que começou a ser preparado para a função a que se destina. Foi limpo da casca,com a ajuda de um machado e de podoas, mas também com o recurso a uma motosserra, que a tradição pode ser mantida, mas acompanhando o evoluir dos tempos. Aliás no corte da própria árvore e da sua ramagem foram usados um machado e a velha traçadeira, mas também a motosserra.
Enquanto uns faziam este trabalho, no meio do arvoredo e com todos os cuidados, outros preparavam o almoço: semilhas, batatas e pimpinelas com casca, espetada e vinho novo para “empurrar”. E que bem que soube comer ali no meio do verde.
Depois voltou-se ao tronco, que já mais ou menos pronto na sua forma final e com os assentos e os encostos feitos, foi carregado num carro e trazido, sob buzinadelas, até junto da igreja onde a gangorra vai ser montada.
Antes disso, porém, ainda vai ser preciso colocar o moirão na terra, arredondar a extremidade que fica de fora e escavar o grande tronco no ponto de equilíbrio entre as duas extremidades. Nesse buraco será deitado vinho, que cada um dos homens que foi buscar o pau irá beber.Só depois a gangorra será montada e ficará pronta a ser usada.
Já se sabe que só os mais destemidos o irão fazer, embora naquele dia em que fomos à serra já se fizessem apostas, sobre quem se “chegaria à frente”.
Outrora, esta era uma brincadeira só de homens e crianças. Aliás, quase todas as famílias faziam “uma gangorra para os pequenos”. Mas, de há uns anos a esta parte, as mulheres também passaram a entrar na brincadeira. Vamos ver se haverá corajosas. E já dizemos vamos ver, porque ficou já o convite para voltarmos ali na Primeira Oitava da Festa, dia em que se vai cumprir uma outra tradição da Primeira Lombada: a função do Porco.
Vai ser, tal como este, mais um regresso ao passado. É que foi há 21 anos, mais precisamente em 1996, que fizemos as primeiras recolhas sobre estas tradições que só se cumprem ali, na Primeira Lombada da Ponta Delgada, onde o Natal são também estas vivências em comunidade.