Comentário à Liturgia da Solenidade de Todos os Santos

Por Padre Marcos Gonçalves

Queres ser Feliz?

Talvez não faça sentido fazer esta pergunta. É evidente a sua resposta. Todas as pessoas querem ser felizes. É impressionante entrar numa livraria e descobrir inúmeros livros sobre felicidade e sobre auto-ajuda para a alcançar. É já há uma profissão o coatching (treinador), uma espécie de PT (personal trainer) para ajudar as pessoas a serem felizes e a descobrir um sentido para a vida, a libertar-se dos fardos pesados que carregam desnecessariamente. O que é a Felicidade? Está nas coisas, no ter ou no ser? Está nos outros ou em nós? Está na imagem, na moda ou na fama? É uma meta a alcançar ou é já o caminho? É para alguns, para todos, ou é também para ti?

A Igreja celebra a Festa de Todos os Santos no dia 1 de novembro. No Evangelho, Jesus vai dizer-nos: Felizes os misericordiosos; felizes os puros de coração; felizes os humildes; etc. Jesus insiste na Felicidade. É interessante que, quando lemos o Evangelho, sublinhamos muito a segunda parte de cada frase: os pobres, os puros, os que choram… Mas esquecemos desta primeira palavra: Felizes. Falar de felicidade, para os cristãos, é falar de santidade, é falar da vontade de Deus para nós, que quer que sejamos todos felizes. É esta a definição de felicidade para os cristãos. Ser feliz é ser santo, é viver com Jesus e olhar para a vida através do Seu olhar. É um caminho de intimidade, de amizade, de amor com Deus e d’Ele com os outros e integrados na realidade onde estamos e vivemos. É esta a felicidade que a Igreja anuncia e que Deus nos oferece como dom do Seu amor. Esta Felicidade é para todos. No Evangelho da Festa de todos os Santos, Jesus fala para uma multidão, incluindo toda a gente sem excepção. Nela estás tu e eu.

Celebrar todos os Santos é celebrar a festa da comunhão. Comunhão entre a Igreja peregrinante nesta terra e a Igreja na sua glória e a Igreja em purificação. Comunhão de oração com Deus e com todos aqueles que já partiram e se encontram na alegria eterna ou ainda a caminho dela, em tempo de purificação, purgatório. No dia 1 de novembro a Igreja celebra a Solenidade de Todos os Santos. Todos aqueles que brilham como estrelas no firmamento. Todos aqueles que partiram antes de nós e já fazem parte da imensidão do Céu, da vida plena em Deus. Eles não são um grupo pequeno de escolhidos, de eleitos, de heróis, mas uma incalculável multidão formada por todos aqueles que abraçaram o amor de Deus e os que se deixaram abraçar por Ele: os virtuosos e os pecadores arrependidos, os que foram tocados pelo amor gratuito de Deus e pela oração incansável da Igreja.

O dia 2 de novembro é o Dia dos fiéis defuntos. De todos aqueles que já partiram, mas que ainda se encontram em purificação. É dia de oração por eles. Dia de esperança e de fé no amor de Deus. Assim, nestes dois dias,1 e 2 de novembro, estamos a celebrar e a rezar, em comunhão com toda a Igreja. A Igreja que peregrina neste mundo, a Igreja em tempo de purificação e a Igreja na Glória, na presença de Deus, na eternidade do Céu.

Celebramos os que veem o seu nome precedido por “São” e “Santo” e os que ninguém conhece ou ouviu falar; e os que conhecemos pelo nome, pela saudade e pelo amor e que sabemos, iluminados pela fé, que não morreram, mas vivem em Deus e na memória dos nossos corações, cujos rostos, gestos, perfume e palavras queremos lembrar sempre.

Celebramos, porque somos nós os que precisamos da sua intercessão, de modelos a seguir e despertar em nós o desejo de ser como eles: felizes por viver próximos de Deus, na sua luz, na grande família dos amigos de Deus. Ser santo significa viver na intimidade com Deus. Esta vocação não é só para alguns, mas é a vocação de todos nós.

É dia que nos convida a olhar para Aquele que nos santifica e para aqueles modelos que a Igreja apresenta como guias e como evangelhos vivos para cada época, condição e missão. Que eles nos sirvam de encorajamento; que os seus ensinamentos nos orientem e confortem; que a sua intercessão nos sustente nas dificuldades da vida quotidiana, a fim de que nós possamos um dia compartilhar com eles a alegria de viver eternamente com Deus. A única verdadeira causa de tristeza e de infelicidade para o homem é o facto de viver longe de Deus.

A palavra “Santo” quer dizer separado. Separado de quê? Do mundo? Não. Mas do que é mal e do que faz mal, do egoísmo e maldade e toda a lista de pecados que nos impedem de ser mais e mais livres e mais parecidos a Deus.

É dia que nos convida a olhar para nós e nos desafia a ser o que somos – santos pelo baptismo. “Sede santos porque Eu sou Santo”, disse o Senhor. Santos na forma como celebramos a nossa fé; santos na forma como vivemos, amamos, trabalhamos, estudamos, perdoamos e sonhamos e construímos projetos e saímos de nós, encontrando-nos uns com os outros.

Mas como é que podemos tornar-nos santos? Para ser santo não é necessário realizar ações nem obras extraordinárias, nem possuir carismas excepcionais. É preciso, sobretudo, ouvir Jesus e depois segui-l’O sem desanimar diante das dificuldades, tornando extraordinário o nosso dia-a-dia. Parece impossível. E é. Com as nossas forças é mesmo impossível. A santidade exige um esforço constante, mas é possível para todos, porque, mais do que uma obra do homem, é sobretudo um obra e puro dom de Deus.

Bem-aventurados, felizes aqueles que confiam no Senhor. Que colocam toda a sua vida nas suas mãos e se deixam moldar, como barro nas mãos de um oleiro. É esta a pobreza que é feliz. Felizes os que choram, os que vivem a tristeza, mas percebem que estão acompanhados pelo amor de Deus, que nos consola e nos torna mais fortes e infunde em nós esperança. Felizes os que não olham só para si, mas são capazes de transformar este mundo num mundo de paz e de justiça. Felizes os que, neste mundo, transportam Deus ao coração dos outros e do mundo, em gestos de fé, de esperança e de fraternidade.

São Josemaría Escrivá de Balaguer dizia que todos os santos tiveram um passado e todos os pecadores podem ter um futuro. Em qualquer situação, onde nos encontremos, há sempre caminho a fazer rumo à santidade.

A Igreja deve ser no mundo este lugar. Uma casa para santos e pecadores, um casa não de pessoas perfeitas, mas de pessoas que querem contar com Deus para levantar-se sempre de novo para uma vida que só Deus nos pode dar.