Ordenado em julho de 2008, depois de nove anos de ministério sacerdotal em diversos serviços, entre os quais o de Secretário Episcopal, nos últimos sete anos e em vésperas de partir para Roma, enviado a prosseguir a sua formação na Faculdade de História e Bens Culturais da Igreja, da Pontifícia Universidade Gregoriana, o Pe. Estêvão Fernandes falou ao Jornal da Madeira sobre este novo desafio que lhe foi proposto.
Jornal da Madeira – Pe. Estêvão como é que encara mais esta missão que lhe é confiada?
Pe. Estêvão Fernandes – É mais um desafio que eu encaro com a mesma disponibilidade que assumi todos os outros desafios que me foram atribuídos desde a Ordenação Sacerdotal. Com a mesma disponibilidade, com a mesma alegria, para servir a Igreja do Funchal, agora dedicando os próximos anos à formação, em Roma. Acolhi com alegria, em espirito de serviço, mas também com responsabilidade, uma vez que se trata de um sinal de confiança do Bispo Diocesano, me enviando para me preparar numa uma área com algumas especificidades, mas que cada vez exige uma necessária preparação, não só pelo relevo que está a assumir na pastoral da Igreja Universal, mas também nos desafios e exigências que quase diariamente são colocados à Igreja nesta área.
Jornal da Madeira – Porquê Bens Culturais da Igreja? Por certo tem gosto por esta área.
Pe. Estêvão Fernandes – Naturalmente quando é colocada a hipótese de aprofundar estudos numa certa área da pastoral da Igreja, não olhamos apenas para o gosto pessoal. É certo que a motivação pessoal é importante, mas a partir dessa motivação pessoal olhamos para uma área em que seja necessário ter um cuidado particular tendo em conta o presente o futuro da Igreja Diocesana. Nas missões em que estive envolvido no curto percurso do meu ministério sacerdotal, tive oportunidade de contactar com várias áreas, entre as quais esta, não só no âmbito “material”, como sejam edifícios, estatuária, pinturas, etc., mas também em todo um património, também imaterial, que faz parte da identidade desta porção do Povo de Deus, que é a Diocese do Funchal.
Especificamente tive a oportunidade de estar envolvido na dinâmica da preparação dos 500 anos da Diocese do Funchal, e especialmente no Congresso Internacional de História que se realizou nessa ocasião, mas também no diálogo com muitos sacerdotes fui tendo a noção que esta será uma área a valorizar, que já no presente e ainda mais no futuro nos levantará vários desafios, sendo assim necessária alguma preparação neste sector da pastoral. Digamos que foi do ministério que fui vivendo no seio do presbitério que foi nascendo o gosto por esta área. Reconheço também que nos últimos anos tenho acompanhado uma redescoberta e valorização dos seus Bens Culturais por parte da Igreja, olhando-os não apenas como tesouros a preservar, mas também como portas de evangelização, afinal na fidelidade àquilo para que foram criados.
Algumas vezes os bens culturais da Igreja são olhados como um peso, por causa da sua manutenção e custos que envolvem que por norma são elevados, mas também na dificuldade que exige o equilíbrio entre usufruto cultural e identidade religiosa e cultural.
No entanto, num olhar alargado para a História da Igreja e para a sua relação com os Bens Culturais, nós percebemos que aquilo que são hoje os Bens Culturais da Igreja, foram no passado meios fundamentais de Evangelização e instrumentos necessários e incontornáveis para transmitir a mensagem do Evangelho de Jesus Cristo. Tudo aquilo que temos hoje como Pérolas dos Bens Culturais da Igreja foram primordialmente autênticos Catecismos da Mensagem Cristã, essa foi a sua génese, não podem ser vistos hoje sem enquadrá-los naquilo que foi o seu húmus fundamental. Hoje e no futuro é importante voltar a eles, a partir desta perspetiva, não só cultural, mas sobretudo em perspetiva de Evangelização, num mundo cada vez mais plural, mas em que a cultura que brota da Encarnação do Evangelho consegue dialogar com essa pluralidade.
“Reconheço também que nos últimos anos tenho acompanhado uma redescoberta e valorização dos seus Bens Culturais por parte da Igreja, olhando-os não apenas como tesouros a preservar, mas também como portas de evangelização”
Jornal da Madeira – Falou há pouco de pérolas. Que pérolas guarda a Diocese do Funchal?
Pe. Estêvão Fernandes – É difícil contabiliza-las e nem eu as conheço todas e ainda bem! Espero ter tempo para as conhecer! É difícil individualizar, mas porque estamos no aniversário da Dedicação da Catedral, permita-me que apenas refira a Sé, sem descurar os inúmeros exemplos que temos quer na zona sul, quer na zona norte da Madeira, sem deixar de fora o Porto Santo. No entanto, é importante que se perceba que quando se fala de Bens Culturais não estamos a falar só de bens edificados. Não estamos a falar só daquilo que são edifícios, estatuaria, ourivesaria ou relacionados. É tudo aquilo que nasceu da própria Encarnação de Jesus Cristo, e que fez brotar dinamismos culturais. Não consigo olhar para os bens culturais da Igreja apenas na sua especificidade material. São mais abrangentes.
Jornal da Madeira – Em que é que consiste esta formação que está prestes a iniciar.
Pe. Estêvão Fernandes – Eu vou para a Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma, para Faculdade de História e Bens Culturais da Igreja, e vou iniciar a formação específica em Bens Culturais da Igreja. Sei que aborda de modo muito concreto toda a história da Igreja, e a partir daí desenvolve-se para os Bens Culturais da Igreja, sejam eles património imaterial, património edificado, seja património documental, porque tudo isso faz parte dos Bens Culturais da Igreja.
“hoje o património cultural pode ser mais um desses livros pelos quais podemos nos encontrar com Jesus Cristo”.
Jornal da Madeira – Quando terminar a formação que contributo espera vir a dar na Diocese do Funchal?
Pe. Estêvão Fernandes – Bom, primeiro tenho que de facto aproveitar bem a formação que me é concedida fazer neste momento. Depois de concluída, estarei disponível, como estou agora, para tudo aquilo que o Bispo Diocesano achar por bem me confiar. Disponível para servir com a mesma alegria e disponibilidade, mas também agora outras competências. Claro que depois deste percurso formativo virei com outra sensibilidade, mas certo virei para ajudar a valorizar ainda mais todo o património Cultural que temos seja ele material e imaterial, tentando não que seja olhado apenas como um peso e preocupação, embora esta seja uma realidade exigente, mas também apontando as oportunidades que dele dimanam, repescando o seu núcleo fundamental, o que levou a que se desenvolvesse ao longo dos séculos.
Nós vamos a toda a História da Igreja e à Evangelização e vemos como a mensagem Cristã se desenvolveu a partir desse diálogo entre a Fé e a Cultura. Basta recordamos o discurso de São Paulo no Areópago de Atenas ou até o que foi o labor de tantos Padres da Igreja. Não podemos esvaziar o nosso património cultural daquilo que é o seu ADN, não é apenas arte, é sobretudo pedagogia de Deus, pedagogia do Divino. São Tomas de Aquino dizia que temos dois livros pelos quais podemos conhecer, chegar até Deus. Um era a Sagrada Escritura, outro era a Natureza. Também hoje o património cultural pode ser mais um desses livros pelos quais podemos nos encontrar com Jesus Cristo.
Jornal da Madeira – Sendo esses bens, na sua maioria, de usufruto público, não terão outras entidades a responsabilidade de ajudar a Igreja a aliviar esse suposto peso de que se falava há pouco?
Pe. Estêvão Fernandes – Claro que este é um Património que nasce da Fé Cristã e que podemos dizer que é propriedade dos Cristãos, porque nasce a partir da fé dos Cristãos, mas uma vez que é de usufruto público, naturalmente que a Igreja e as outras entidades responsáveis pelo Património têm o dever de cooperar para que esse usufruto seja público, não descurando aquilo que é a identidade dos Bens Culturais da Igreja. E esse contributo e cooperação tem existido. Aliás, penso que os termos concordatários, deixaram claros os termos dessa cooperação. O acordo Concordatário tem funcionado, ainda que tenha que ser aprofundado e clarificado em alguns aspetos que vão surgindo a partir das situações concretas que se vão colocando.
Jornal da Madeira – O Pe. Estêvão está prestes a iniciar uma nova fase da sua vida, mas para trás há todo um percurso de missão sacerdotal. Conte-nos como é que ele foi vivido?
Pe. Estêvão Fernandes – Eu tenho nove anos de sacerdote, aos quais se juntam mais doze anos de percurso de formação nos seminários por onde passei. Fiz parte do primeiro grupo de padres diocesanos que foram ordenados pelo sr. Bispo D. António. Depois, durante dois anos, vivi uma experiência muito bela junto das pessoas na Paróquia da Visitação, como Administrador Paroquial. Aí tive oportunidade de contactar com a realidade pastoral daquela paróquia, mas através dela sentir, ainda que muito pouco, o que é a realidade Pastoral da Diocese do Funchal, e as questões e desafios que se colocam todos os dias aos sacerdotes que estão nas paróquias. Embora sendo uma paróquia do Funchal, acabamos por ter a perceção de como funciona a Pastoral da Igreja. Depois o sr. Bispo achou por bem me chamar para Secretaria Episcopal, serviço que desempenhei nos últimos sete anos, tendo também os serviços no Seminário do Funchal, como Diretor Espiritual e membro da Equipa de Pré-Seminário, e ainda a Capelania da Quinta das Rosas, onde todos os dias de manhã celebrava a Eucaristia, tendo diante de mim Irmãs que na sua grande maioria já tinham vivido várias dezenas de anos de entrega total à Igreja de Jesus Cristo, inclusive em terras de missão.
Jornal da Madeira – Como é que foi concretamente essa experiência de estar perto do sr. Bispo?
Pe. Estêvão Fernandes – Foi uma experiência enriquecedora, porque ao acompanhar o Bispo Diocesano nas suas mais variadas tarefas e missões, percebe-se aquilo que é, no fundo, um traço da identidade do Bispo Diocesano que é a de ser Pastor. Uma das marcas do sr. Bispo D. António é de facto a proximidade, a simplicidade junto das pessoas. Isso é qualquer coisa que eu testemunhei e que também aprendi ao longo destes anos. A proximidade e a simplicidade são dois traços que podem definir bem a identidade de Pastor do Senhor Bispo. Depois, foi um trabalho feito com várias realidades, que passam naturalmente pelos serviços centrais, mas a partir dos quais se consegue ir percebendo aquilo que é a realidade da Igreja Diocesana nas suas mais variadas diferenças. Afinal, são 96 Paróquias, todas diferentes umas das outras. Depois houve também o contacto com os sacerdotes, que foi sempre muito positivo. Eu sempre entendi este serviço como Serviço ao Presbitério, como secretário do Bispo Diocesano é verdade, como Serviço ao Presbitério. Além disso o sr. Bispo propôs-me e pediu-me que realizasse, desde que vim para este serviço, a missão de fazer pontes, de estar para servir os colegas e ajudá-los no que fosse necessário e foi assim que fui desempenhando este meu serviço.
“Uma das marcas do sr. Bispo D. António é de facto a proximidade, a simplicidade junto das pessoas. Isso é qualquer coisa que eu testemunhei e que também aprendi ao longo destes anos”
Jornal da Madeira – O percurso que efetuou permitiu-lhe conhecer, como já disse, a realidade da Diocese. Face a esse conhecimento quais acha que sãos os desafios imediatos a que a Diocese tem de responder?
Pe. Estêvão Fernandes – O desafio é sempre o mesmo. Nasceu da boca de Jesus Cristo e é o “de e evangelizai”. Anunciar o Evangelho será o desafio principal de todos os tempos, na nossa Diocese, na Igreja em Portugal, na Igreja Universal. Este é o desafio a realizar em realidades tão diversas, em situações de vida tão diversas, diferentes de uma paróquia para outra. É o desafio que todos os sacerdotes desta Diocese vivem e é por ele que dão a sua vida todos os dias: encontrar a melhor forma de levar Jesus Cristo aos outros, na catequese, nos serviços pastorais, nos movimentos, na entrega que fazem diariamente da sua vida a esta causa, no acompanhamento do povo de Deus. E esse acompanhamento não é só na celebração da Eucaristia. A vida de um padre ou mesmo de um pároco não é só a celebração da Eucaristia. O acompanhamento de doentes, idosos, catequistas, jovens, famílias, de um conjunto de situações algumas vezes muito díspares em que os colegas sacerdotes são chamados a estar presentes, sem descurar o tempo necessário para o encontro pessoal com Jesus Cristo na oração, para a formação permanente, e para o necessário descanso. Tudo isto é necessário e faz parte da nossa vida de sacerdotes. E não pensemos que vinte e quatro horas diárias são suficientes para realizar tudo isto. Digo e assumo que não o são!
“É o desafio que todos os sacerdotes desta Diocese vivem e é por ele que dão a sua vida todos os dias: encontrar a melhor forma de levar Jesus Cristo aos outros”
Jornal da Madeira – Esse, já nos disse, é o desafio principal, mas certamente que há outros.
Pe. Estêvão Fernandes – Claro que a Igreja hoje tem de olhar para realidades pastorais muito diversas. Uma coisa que nos preocupa hoje são as diferenças entre o norte e o sul da ilha. Temos uma zona norte que começa a ficar muito desertificada, temos a realidade da emigração que fez com que as nossas comunidades ficassem sem muitos dos seus agentes pastorais, e neste último o desenvolvimento da corresponsabilidade laical. Outro desafio é também o acompanhamento da Juventude e Famílias, áreas que estão na ordem do dia da Igreja Universal. Daqui deriva também tudo o que diz respeito às vocações sacerdotais, religiosas, missionárias. Tudo isto são desafios concretos de hoje e de todos os tempos que em cada tempo se destacam ou realçam de alguma maneira. Um dos instrumentos que poderia nos ajudar a identificar desafios e delinear caminhos pastorais a seguir, seria um estudo sociológico da realidade crente e quotidiana das pessoas nas nossas paróquias, permitindo ter diante de nós um levantamento concreto da nossa realidade pastoral, neste nosso tempo. Muitos mais desafios existem e continuaram a existir, porque o Evangelho de Jesus Cristo será sempre um desafio inesgotável e constantemente inacabado.
Jornal da Madeira – Para terminar e porque o seu sucessor no cargo de Secretário Episcopal já é conhecido, e é também ele um jovem que acabou de ser ordenado, que conselhos deixou ao Pe. Carlos Almada.
Pe. Estêvão Fernandes – Três ou quatro palavras: Simplicidade, humildade, espírito de serviço, capacidade e vontade de fazer pontes entre todos. Tudo o resto depois disto será mais fácil!