Quarta-Feira de Cinzas: D. Nuno exorta cristãos a viver Quaresma de conversão

Logo no início da celebração, o prelado desejou que nesta Quaresma os fiéis assumam uma “atitude de quem pede perdão, de quem se coloca diante de Deus”.

Foto: Duarte Gomes

O bispo do Funchal convidou os cristãos da diocese a viver uma Quaresma de conversão. Foi na homilia da celebração de Cinzas, que teve lugar esta quarta-feira na Sé do Funchal, com D. Nuno Brás a deixar bem claro que “os recentes acontecimentos mostraram muitas fragilidades e pecados que clamam pela urgência e necessidade de conversão”.

E precisamos de conversão, entre muitas outras situações que o prelado enumerou, “porque nem sempre soubemos cuidar dos mais fracos, em particular dos que são vítimas de abusos e exploração sexual, económica ou nos seus direitos fundamentais”.

“Na raiz latina da palavra “conversio” encontra-se a sugestão do abandono de um caminho que se percebe ser errado, e a mudança para uma nova direcção que possa conduzir à meta desejada. Apenas o ser humano é capaz de conversão verdadeira, porque apenas ele é dotado de liberdade e, portanto, capaz de realizar mudanças radicais e efectivas na sua existência”, vincou o bispo diocesano.

A conversão, acrescentou o prelado, “diz-se propriamente quando descobrimos Deus como o nosso bem supremo. Quando encontramos Deus e o percebemos como o nosso tesouro, então podemos encontrar o verdadeiro caminho da conversão. Por isso, Deus, por meio do Profeta, dizia como escutávamos: ‘convertei-vos a Mim’”.

Por outras palavras, “a conversão acontece quando Deus vem ao nosso encontro e nos dispomos a acolhê-Lo. É quando nos damos conta do horizonte infinito de Vida Eterna que Ele nos propõe, que percebemos como os caminhos que percorremos se desviam tantas vezes do trilho que conduz à verdadeira Vida”.

“A Jesus, Deus feito Homem, nos havemos por isso de converter, procurando fazer nossa a sua proposta de vida; aceitando a sua companhia no caminho da nossa existência; deixando que o seu Espírito alargue e habite os nossos corações. Enfim: fazendo a sua vida cada vez mais nossa”, vincou.

Depois da homilia foram abençoadas e impostas as cinzas, obtidas da queima dos ramos usados no Domingo de Ramos do ano passado, em muitos dos fiéis que enchiam a Catedral do Funchal.

Recorde-se que a Quaresma que se iniciou precisamente neste dia 22 de fevereiro, é um tempo litúrgico, de 40 dias (a contagem exclui os domingos), que tem início com a celebração de Cinzas (22 de fevereiro, em 2023), marcado por apelos ao jejum, partilha e penitência; serve de preparação para a Páscoa, a principal festa do calendário cristão (este ano a 9 de abril). 

Leia na íntegra a homilia de B. Nuno Brás:

 QUARTA FEIRA DE CINZAS
Sé do Funchal
22 Fevereiro 2023
“Convertei-vos a Mim de todo o coração”

  1. “Diz agora o Senhor: Convertei-vos a Mim de todo o coração” (Jl 2,12). Este convite de Deus que nos chegou através do Profeta Joel, como acabámos de escutar, é o verdadeiro mote para o tempo da Quaresma que agora iniciamos.

Na raiz latina da palavra “conversio” encontra-se a sugestão do abandono de um caminho que se percebe ser errado, e a mudança para uma nova direcção que possa conduzir à meta desejada. Apenas o ser humano é capaz de conversão verdadeira, porque apenas ele é dotado de liberdade e, portanto, capaz de realizar mudanças radicais e efectivas na sua existência.

A conversão tem lugar quando percebemos um bem maior, e nele encontramos forças para uma mudança radical. A mudança que é realizada apenas com o objectivo de interromper o aborrecimento não é, de facto, conversão: mudar apenas “porque sim” não implica o nosso existir; consiste apenas na confirmação do que já somos — mudam as aparências para que tudo possa continuar na mesma.

  1. Mas a conversão diz-se propriamente quando descobrimos Deus como o nosso bem supremo. Quando encontramos Deus e o percebemos como o nosso tesouro, então podemos encontrar o verdadeiro caminho da conversão. Por isso, Deus, por meio do Profeta, dizia como escutávamos: “convertei-vos a Mim”.

A conversão acontece quando Deus vem ao nosso encontro e nos dispomos a acolhê-Lo. É quando nos damos conta do horizonte infinito de Vida Eterna que Ele nos propõe, que percebemos como os caminhos que percorremos se desviam tantas vezes do trilho que conduz à verdadeira Vida.

Deus fez-se homem em Jesus de Nazaré. Por isso, é nele que todo e qualquer ser humano pode e deve encontrar Deus. Jesus é o rosto, a presença, a voz, os olhos, as mãos, o sorriso de Deus. Como Ele dizia ao apóstolo Filipe: “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,9). E como afirma o Concílio Vaticano II: “Jesus Cristo, Verbo feito carne, enviado «como homem para os homens», «fala, portanto, as palavras de Deus» (Jo 3,34) e consuma a obra de salvação que o Pai lhe mandou realizar (cfr. Jo. 5,36; 17,4)”. Fá-lo “com toda a sua presença e manifestação da sua pessoa, com palavras e obras, sinais e milagres, e sobretudo com a sua morte e gloriosa ressurreição e, por fim, com o envio do Espírito de verdade” (DV 4).

A Jesus, Deus feito Homem, nos havemos por isso de converter, procurando fazer nossa a sua proposta de vida; aceitando a sua companhia no caminho da nossa existência; deixando que o seu Espírito alargue e habite os nossos corações. Enfim: fazendo a sua vida cada vez mais nossa.

  1. Os recentes acontecimentos mostraram muitas fragilidades e pecados que clamam pela urgência e necessidade de conversão. Precisamos de conversão, porque nem sempre soubemos cuidar dos mais fracos, em particular dos que são vítimas de abusos e exploração sexual, económica ou nos seus direitos fundamentais. Precisamos da conversão porque somos egoístas; porque passamos tantas vezes indiferentes ao outro e ao seu sofrimento; porque nos revestimos com uma carapaça dura que nos impede a abertura do coração e a incomodidade do confronto com a realidade que nos cerca.

Precisamos da conversão porque, seduzidos pelo prazer do momento, não pensamos nas consequências das nossas acções, para nós e para os outros, a curto ou a longo prazo. Precisamos de mudar porque não raras vezes preferimos estar parados, na segurança do que já conseguimos, esquecendo o caminho em direcção ao horizonte infinito que Deus nos coloca por diante.

Precisamos duma conversão porque nos esquecemos de Deus, porque nos esquecemos de O escutar e de Lhe responder — de Lhe corresponder! — na confiança de quem se entrega plenamente nas Suas mãos. Precisamos duma mudança porque rezamos pouco e esquecemos que a oração nos constrói como seres humanos, e oferece o devido e necessário louvor a Deus.

Precisamos duma conversão porque andamos à procura do divino entre tantas outras realidades; porque construímos ídolos que nos confortam, em vez de darmos atenção ao Deus verdadeiro que nos incomoda; porque deixamos de procurar Deus para nos fazermos a nós pequenos deuses. Precisamos duma conversão porque ignoramos a Jesus Cristo e ao seu Evangelho. Precisamos duma conversão porque impedimos o Espírito Santo de nos transformar com a Sua graça.

Precisamos de conversão porque temos dificuldade em deixar que Deus nos perdoe, e porque não queremos perdoar o próximo que nos ofendeu. Precisamos duma mudança porque ficamos prisioneiros do passado. Precisamos de conversão porque temos dificuldade em nos confessarmos pecadores, necessitados da ajuda de Deus e da sua graça, e não recorremos ao sacramento da penitência que Jesus nos oferece, e que restaura em nós a vida ofuscada pelo pecado. Precisamos duma mudança porque desconfiamos que Deus seja capaz de nos oferecer uma vida nova se a Ele nos confiarmos totalmente.

Precisamos, afinal, de conversão porque ainda não somos capazes de viver de acordo com a dignidade de filhos que recebemos no nosso Batismo, e que o próprio Deus confirmou no Sacramento do Crisma. Precisamos de uma mudança porque, sendo embora cristãos, a nossa vida interior e as suas expressões exteriores ainda se encontram tão longe daquela perfeição a que todos somos convidados: “sede santos porque Eu sou Santo”!

Iniciamos hoje o tempo santo da Quaresma impondo sobre as nossas cabeças as cinzas dos que se confessam pecadores. Hoje é o tempo da conversão! Tempo de maior penitência, de maior caridade, de maior oração. Que o mesmo é dizer: tempo de maior atenção ao modo como a nossa vida cristã vai sendo vivida — connosco, com os outros, com Deus.

Conscientes do nosso pecado, das nossas imperfeições e incapacidades, deixemos que o Senhor Jesus nos converta e nos conduza até às celebrações pascais. Façamos Páscoa. Com o Senhor, passemos, também nós, da morte à vida!