Açores: “Santuários são para a Igreja laboratórios de futuro” – Cardeal D. José Tolentino Mendonça

Arquivista e bibliotecário da Santa Sé preside às festas do Senhor Santo Cristo, em Ponta Delgada

O Cardeal Tolentino presidiu à Festa do Santo Cristo dos Milagres em Ponta Delgada, ilha de São Miguel, Açores | 21.05.2022 | Foto: Eduardo Costa/Lusa

Hoje entende-se que o santuário não é um resquício do passado, de uma fé a ser ultrapassada, mas é um lugar de futuro. Hoje, os santuários são para a Igreja laboratórios de futuro”, afirmou D. José Tolentino Mendonça ao portal “Igreja Açores”.

Para o cardeal arquivista e bibliotecário da Santa Sé, os santuários “permitem ver talvez com maior clareza caminhos que depois devem ser aplicados, traduzidos, certamente redimensionados, adaptados, mas que potenciam e trazem uma vitalidade nova à rede paroquial e a outras redes de presença da Igreja no mundo”.

Os santuários, mesmo tendo porta, não têm porta. São experiências muito mais abertas, mais anónimas, menos comprometidas, do ponto de vista da relação. E permitem uma integração mais rápida aos buscadores de Deus e àqueles que têm uma experiência de Igreja mais casual, mais pontual.

O cardeal Tolentino Mendonça considera também que os santuários possibilitam “uma experiência mais direta” com o próprio Cristo, em Ponta Delgada através da imagem do “Eccle Homo”, e são “facilitadores do encontro” e de uma “experiência comunitária”.

“Estas três dimensões, as portas abertas, de um relação mais direta e imersão numa experiência comunitária, são coisas que nos devem fazer pensar, também em relação às paróquias tradicionais. As paróquias estão em mudança, em transformação e é preciso que as paróquias integrem dimensões que hoje são típicas dos santuários”, indicou.

D. José Tolentino Mendonça referiu que “as pessoas têm de ser tocadas e muitas vezes, na paróquia, o peso da administração de uma certa burocracia paroquial, das mediações muito cristalizadas, acabam por afugentar as pessoas que procuram, que buscam”.

A nossa fé tem de sair de uma dimensão demasiado racional que a caraterizou. A fé é abraço, é tocar as feridas, é a capacidade de fazer um caminho com a nossa humanidade na sua vulnerabilidade, na sua sede, no seu desejo mais vivo”.

D. José Tolentino Mendonça considera este tempo de “grande revisão” de ideias, de “ensaio do futuro”, após meses de pandemia e no contexto de uma guerra que “mostra como a paz não é um valor adquirido”.

“A pandemia representou uma grande prova, que não podemos viver apenas em chave negativa, como uma interrupção, uma suspensão, um momento de crise. É também uma oportunidade. E onde se vê que é uma oportunidade é na força dos reencontros”, afirmou.

O Santo Cristo saindo à rua, é o grande reencontro com os fiéis, o povo de Deus, os corações sedentos que vivem à procura de significado. E este reencontro não é apenas um reencontro com o passado, é com Cristo hoje, em 2022, com Cristo agora, na vida de cada um e na vida do mundo e faz-nos olhar par o futuro de outra forma”.

O cardeal e poeta madeirense disse que o regresso após anos de confinamentos “é verdadeiramente um reencontro”, uma vez que a pandemia sensibilizou “para dimensões das vida, da cultura” que tornam cada pessoa “mais responsáveis pela vida comum”.

D. José Tolentino Mendonça considera os dinamismos crentes em torno do Santuário do Senhor Santo Cristo dos Milagres um “grande acontecimento de piedade popular” e afirma que “o que move o coração do homem é sempre a esperança, mesmo que o que sirva de motivo imediato seja um sofrimento”.

Na entrevista ao portal “Igreja Açores”, o cardeal Tolentino Mendonça lembrou que “desde pequeno” se habituou a “ver em casa o oratório do Senhor Santo Cristo” levado pelo pai dos Açores para a Ilha da Madeira, de onde é natural, como faziam habitualmente os pescadores madeirenses.

O arquivista e bibliotecário da Santa Sé diz que se sente “um peregrino do Senhor Santo Cristo” e leva para o Vaticano os “olhares, as histórias das pessoas, o que se adivinha em cada rosto”.

“Vir ao encontro da fé dos simples é uma grande responsabilidade, porque é tocar o Evangelho puro, num grau de pureza e autenticidade quem quando estamos em cargos de governo e mais ligados á administração, não podemos esquecer que a razão de ser é esta: o olhar dos simples dá-nos a razão de ser da nossa própria missão”, afirmou.

D. José Tolentino Mendonça preside este ano às festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres, em Ponta Delgada, nos Açores; este domingo, o cardeal português presidiu à Missa no adro do santuário.

PR