No centenário do seu falecimento: D. Nuno Brás afirma que Beato Carlos é “uma bênção para o mundo”

O bispo do Funchal defendeu que nestes dias, marcados pela guerra que invade a Europa, devemos olhar para o exemplo deste Santo Imperador e pedir-lhe que seja um intercessor na procura e na construção da paz.

Foto: Duarte Gomes

A Sé do Funchal foi na manhã desta sexta-feira, dia 1 de abril, o centro as atenções do mundo. Ali, celebrou-se a Eucaristia Pontifical com a qual a Diocese assinalou oficialmente o centenário do falecimento do Beato Carlos de Áustria, cujos restos mortais repousam na igreja de Nossa Senhora do Monte.

D. Nuno Brás presidiu a esta celebração, que contou com muitos familiares do Santo Imperador, com a presença das principais autoridades regionais e não só, de D. Duarte de Bragança e de membros das ligas de oração, peregrinos e devotos da ilha e de fora dela, que não quiseram perder esta oportunidade de, uma vez mais, manifestar a sua admiração e o seu carinho, por um homem que foi um exemplo a vários níveis.

Na homilia desta Eucaristia, concelebrada por sacerdotes da Diocese do Funchal, da Hungria, da Áustria e Itália, bispos, incluindo D. Teodoro de Faria e ainda o cardeal Hungaro Péter Erdö, o Bispo do Funchal fez questão de frisar isso mesmo e de afirmar que o Beato Carlos é “uma bênção para o mundo inteiro”, frisando a dimensão do Beato Carlos “neste nosso tempo”.

“Nestes dias, marcados uma vez mais pela guerra que invade a nossa Europa, devemos olhar para o exemplo deste Santo Imperador”, afirmou ainda D. Nuno. Um Imperador que lembrou, “procurava fazer a paz; mas também um Imperador que ‘respirava’ uma paz interior que apenas podia surgir de Deus”.

Suportes do edifício espiritual de Carlos

Mas o prelado começou a sua reflexão por frisar que “a palavra do Evangelho que acabámos de escutar convida a que nos interroguemos sobre o modo contemporâneo de viver, caracterizado, precisamente, pela mudança: nada parece ser certo e seguro, e nós parecemos dar-nos bem com isso”.

Por isso mesmo, longe de impedir o desenvolvimento e o progresso, “a construção segura a que evangelho nos convidava, assente na Palavra de Deus, é antes a garantia de que todo esse movimento e progresso não se perde numa realidade sem motivo, num rumo sem destino, em mudança para a qual jamais existirá vento de feição”, frisou o prelado.

“Percebeu-o de modo particular o Beato Carlos”, constatou. “A fidelidade a Deus e aos compromissos que Deus lhe confiara aquando da sua coroação como Rei Apostólico da Hungria, sempre o conduziu e iluminou na compreensão da realidade e na procura de caminhos que a todos conduzissem à vida feliz”. 

Fê-lo, acrescentou, “enquanto governante do Império, procurando novos caminhos que respondessem às novas necessidades; mas fê-lo também como crente, vivendo assente na fé”. E isso mesmo “o reconheceu a Serva de Deus Zita: quando interrogada por um jornalista sobre o modo como ela e Carlos encontraram forças para ultrapassar as perseguições e traições de que foram alvo, respondeu: “Sem a fé, teria sido impossível”.

“Nestes dias, marcados uma vez mais pela guerra que invade a nossa Europa, devemos olhar para o exemplo deste Santo Imperador”, frisou o prelado. Um Imperador, acrescentou, que “procurava fazer a paz; mas também um Imperador que ‘respirava’ uma paz interior que apenas podia surgir de Deus”.

Em Carlos, explicou D. Nuno Brás, “as palavras da Carta aos Efésios que acabámos de escutar foram plenamente cumpridas: “Não lutamos contra a carne e o sangue, mas contra os dominadores das trevas deste tempo” (Ef 6,12)”.

De resto, “apenas a Eucaristia e a oração — a Palavra de Deus — suportaram o edifício espiritual do Beato Carlos. Descobriu nelas a ‘armadura de Deus’. E, de facto, revestiu-se a si mesmo com ela. Foi a Eucaristia que lhe deu forças na luta pela paz — uma luta, realmente travada contra os ‘dominadores das trevas’”, acentuou.

Um perdedor aos olhos de muitos

Ainda assim, constatou o bispo diocesano, “aos olhos de muitos, Carlos foi um perdedor: os seus esforços pela paz não foram bem-sucedidos, tal como as suas tentativas para manter o governo do Império e a sua unidade”.

Exílio, sofrimento e morte foram, lembrou, “o resultado da sua lealdade a Deus e ao povo do Império Austro-Húngaro”. Mas não foi também assim a vida de Cristo, questionou o bispo do Funchal. De facto, “na vida de Carlos, era a ‘forma de Cristo’ que em cada dia se tornava mais clara, que cresceu em direcção a uma cada vez maior identificação com o Senhor crucificado.

Citando o Papa Francisco, D. Nuno disse ainda que Carlos “era acima de tudo um bom pai de família e, como tal, um servidor da vida e da paz. Conheceu a guerra como soldado no início da Primeira Guerra Mundial. Tendo assumido o reino em 1916, e sendo sensível à voz do Papa Bento XV, prodigalizou todas as suas forças para a paz, a custo de ser incompreendido e escarnecido”. 

De resto, prosseguiu, “também nisto ele nos oferece um exemplo mais do que nunca oportuno, e podemos invocá-lo como intercessor para obter de Deus a paz para a humanidade”.

Um exemplo e um intercessor

“Um exemplo e um intercessor: é por isso que Carlos é uma bênção para o mundo” frisou D. Nuno. Como exemplo, explicou, “Carlos mostra-nos como ser cristãos, católicos no nosso mundo: inspira-nos devoção, fidelidade a Cristo, obediência à Igreja nossa Mãe; mostra-nos como nos alimentarmos da Eucaristia; como devemos rezar e ter devoção à Virgem Maria; como cuidar da família no meio de tantas ocupações; como amar o próximo e cuidar dos mais fracos; como sermos construtores da paz nos nossos dias.

Já como intercessor junto de Deus, “ele dá-nos a certeza de apresentar as nossas preces ao Pai. E são tantos os pedidos que, por meio dele, queremos apresentar a Deus! E devemos fazê-lo, porque a santidade da sua vida (e particularmente o modo como viveu a morte) é uma garantia de que nele podemos encontrar ajuda e conforto nas nossas dificuldades”, disse.

D. Nuno Brás terminou a sua reflexão, neste dia tão especial para a história da Diocese do Funchal, desejando que “seja o Beato Carlos, neste nosso tempo e cem anos depois da sua morte, um exemplo de existência construída sobre a Palavra de Deus, e um intercessor na procura e na construção da paz”.

Esta Eucaristia solene, que foi transmitida em direto através de várias plataformas digitais, rádio, Diocese do Funchal, igreja da Sé, paróquia do Monte, e canal ‘naminhaterra.com’, foi solenizada pelo coro de Câmara da Madeira, sob orientação da Maestrina Zélia Gomes.

Nas portas laterais da Sé encontra-se uma exposição sobre a Vida e a Santidade do Beato Carlos que pode ser visitada ao longo do dia, nos bancos estava ainda uma pagela com as indicações da celebração e a oração para a canonização do Beato.. 

A comemoração diocesana do centenário vai prosseguir com uma eucaristia solene, hoje, às 19h00, na igreja do Monte, presidida novamente pelo bispo do Funchal.

Recorde-se que a Igreja madeirense está a viver um tempo jubilar para celebrar o “testemunho e santidade” do Beato Carlos, que começou a 24 de março e vai até à memória litúrgica do Beato Carlos, 21 de outubro de 2023. Carlos de Áustria foi beatificado por S. João Paulo II no dia 3 de outubro de 2004, em Roma.

Leia na íntegra a versão portuguesa da homilia do Bispo do Funchal, que também foi proferida em inglês:

CENTENÁRIO DO FALECIMENTO DO BEATO CARLOS
Celebração na Catedral do Funchal
01 de abril de 2022

1. “Todo aquele que ouve as minhas palavras e as põe em prática é como o homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, vieram as torrentes e sopraram os ventos contra aquela casa; mas ela não caiu, porque estava fundada sobre a rocha” (Mt 7,24-25).

A palavra do evangelho que acabámos de escutar convida a que nos interroguemos sobre o modo contemporâneo de viver, caracterizado, precisamente, pela mudança: nada parece ser certo e seguro, e nós parecemos dar-nos bem com isso.

É, pois, caso para perguntarmos — como o fazem tantos dos nossos contemporâneos: nos nossos dias, vale ainda a pena “escutar a palavra de Deus e pô-la em prática”? O mesmo é dizer: valerá ainda a pena procurar ser uma casa firme e segura, que resista diante das tempestades? Não será antes preferível ser como aquela outra construção que acompanha o sabor do vento (ainda que tempestuoso) e se desmorona, para logo se reerguer e de novo se desmoronar? Não dará a Palavra de Deus a sensação de pretender para cada discípulo que seja uma realidade fixa, imóvel, sem ter em conta a mudança do mundo? Não estará a consagrar, de facto, um tradicionalismo insuportável que obrigaria os discípulos a ficar para sempre prisioneiros dum passado?

Sabemos como S. Vicente de Lérins respondeu a esta questão essencial, ao distinguir o verdadeiro progresso da alteração à fé: “É necessário — dizia ele — que, através das idades e dos séculos, cresça e se desenvolva continuamente a inteligência, a ciência e a sabedoria de todos e cada um, de cada homem e de toda a Igreja. Mas este desenvolvimento na fé, deve dar-se segundo a sua natureza, isto é, conservando a identidade do dogma, da doutrina e do seu significado” (I,23). Longe, pois, de impedir o desenvolvimento e o progresso, a construção segura a que evangelho nos convidava, assente na Palavra de Deus, é antes a garantia de que todo esse movimento e progresso não se perde numa realidade sem motivo, num rumo sem destino, em mudança para a qual jamais existirá vento de feição.

Percebeu-o de modo particular o Beato Carlos. A fidelidade a Deus e aos compromissos que Deus lhe confiara aquando da sua coroação como Rei Apostólico da Hungria, sempre o conduziu e iluminou na compreensão da realidade e na procura de caminhos que a todos conduzissem à vida feliz. Fê-lo enquanto governante do Império, procurando novos caminhos que respondessem às novas necessidades; mas fê-lo também como crente, vivendo assente na fé. Isso o reconheceu a Serva de Deus Zita: quando interrogada por um jornalista sobre o modo como ela e Carlos encontraram forças para ultrapassar as perseguições e traições de que foram alvo, respondeu: “Sem a fé, teria sido impossível”.

2. “Irá casar com o herdeiro do trono; desejo-lhe todas as bênçãos” — depois de escutar estas palavras do Papa Pio X, Zita quis interrompê-lo para dizer a Sua Santidade que o Arquiduque Carlos não era o herdeiro imediato de Francisco José. Mas o Papa continuou: “E eu alegro-me infinitamente, porque Carlos é a recompensa que Deus tem guardada para a sua família, por causa de tudo quanto ela fez pela Igreja. Quando for Imperatriz, é necessário fazer com ele tudo o possível para acabar com a guerra”. Ao sair da audiência (estávamos em Julho de 1911), Zita comentou para sua mãe: “Graças a Deus, o Papa não é infalível em questões de política”.

No entanto, três anos depois, as palavras do Papa mostraram ser tristemente verdadeiras. Podemos reconhecer nelas uma espécie de profecia. As palavras de S. Pio X apenas se enganaram numa coisa: Carlos é uma bênção, não só para a sua família mas também para toda a Igreja e para o mundo inteiro. E, de um modo particular, é uma bênção para esta Ilha, que a Serva de Deus Zita quis que fosse a guardiã do corpo do Bem-aventurado Carlos.

Nestes dias, marcados uma vez mais pela guerra que invade a nossa Europa, devemos olhar para o exemplo deste Santo Imperador.

Um historiador contemporâneo diz que, depois de ter assumido a chefia do Império, Carlos estava “obcecado” por fazer a paz. “O Imperador da paz” — assim era conhecido. Um Imperador que procurava fazer a paz; mas também um Imperador que “respirava” uma paz interior que apenas podia surgir de Deus.

Em Carlos, as palavras da Carta aos Efésios que acabámos de escutar foram plenamente cumpridas: “Não lutamos contra a carne e o sangue, mas contra os dominadores das trevas deste tempo” (Ef 6,12).

Apenas a Eucaristia e a oração — a Palavra de Deus — suportaram o edifício espiritual do Beato Carlos. Descobriu nelas a “armadura de Deus”. E, de facto, revestiu-se a si mesmo com ela. Foi a Eucaristia que lhe deu forças na luta pela paz — uma luta, realmente travada contra os “dominadores das trevas”.

Aos olhos de muitos, Carlos foi um perdedor: os seus esforços pela paz não foram bem sucedidos, tal como as suas tentativas para manter o governo do Império e a sua unidade. Exílio, sofrimento e morte foram o resultado da sua lealdade a Deus e ao povo do Império Austro-Húngaro. Mas não foi também assim a vida de Cristo? De facto, na vida de Carlos, era a “forma de Cristo” que em cada dia se tornava mais clara, que cresceu em direcção a uma cada vez maior identificação com o Senhor crucificado.

Como disse o Papa Francisco, ele “era acima de tudo um bom pai de família e, como tal, um servidor da vida e da paz. Conheceu a guerra como soldado no início da Primeira Guerra Mundial. Tendo assumido o reino em 1916, e sendo

sensível à voz do Papa Bento XV, prodigalizou todas as suas forças para a paz, a custo de ser incompreendido e escarnecido. Também nisto ele nos oferece um exemplo mais do que nunca oportuno, e podemos invocá-lo como intercessor para obter de Deus a paz para a humanidade”.

Um exemplo e um intercessor: é por isso que Carlos é uma bênção para o mundo.

Como exemplo, mostra-nos como ser cristãos, católicos no nosso mundo: inspira-nos devoção, fidelidade a Cristo, obediência à Igreja nossa Mãe; mostra-nos como nos alimentarmos da Eucaristia; como devemos rezar e ter devoção à Virgem Maria; como cuidar da família no meio de tantas ocupações; como amar o próximo e cuidar dos mais fracos; como sermos construtores da paz nos nossos dias.

Mas como intercessor junto de Deus, ele dá-nos a certeza de apresentar as nossas preces ao Pai. E são tantos os pedidos que, por meio dele, queremos apresentar a Deus! E devemos fazê-lo, porque a santidade da sua vida (e particularmente o modo como viveu a morte) é uma garantia de que nele podemos encontrar ajuda e conforto nas nossas dificuldades.

Seja o Beato Carlos, neste nosso tempo e cem anos depois da sua morte, um exemplo de existência construída sobre a Palavra de Deus, e um intercessor na procura e na construção da paz.