“Carlos e Zita de Habsburgo: Itinerário espiritual de um casal” apresentado numa altura significativa para o mundo

Numa altura em que a guerra é uma realidade, o Beato Carlos tem de ser apresentado como exemplo de luta pela paz, mas também pela radicalidade com que viveu a sua fé.

Foto: Duarte Gomes

“Carlos e Zita de Habsburgo: Itinerário espiritual de um casal” é como se intitula o livro que foi apresentado esta quarta-feira, dia 30 de março, na igreja do Colégio.

A obra, da autoria de Elizabeth Montfort, relata conforme a mesma explicou aos jornalistas, uma faceta da vida do imperador pouco comum. Trata-se “do itinerário, o caminho, de espiritualidade do imperador Carlos e da imperatriz Zita de Habsburgo, os últimos soberanos do Império Austro-Húngaro”. Um caminho que, recorda a autora começou na manhã do seu casamento, quando Carlos disse à esposa: «Agora, devemos ajudar-nos mutuamente a chegar ao Céu».

A vida em casal recorda Elizabeth Montfort, inicia-se como um conto de fadas, mas “desenvolveu-se depois de forma trágica, com guerra, calúnias, traições, solidão, exílio e a morte prematura de Carlos. Contudo, nenhuma amargura, nenhuma crítica os dominou. Muito pelo contrário, “foi de perdão que se alimentaram os seus corações”, fazendo tudo juntos.

De resto, quando foi coroado pelo Papa, “Carlos disse que ser rei não era servir uma ambição, mas se sacrificar pelo seu povo, assumindo a partir desse momento essa conduta na sua vida”. 

Que segredo tinha então a vida destes esposos para que conseguissem manter uma atitude tão difícil, ou mesmo impossível, do ponto de vista humano? Este livro revela esse mistério percorrendo a vida de fé, de coragem e de entrega à providência divina do casal. Uma vida de oblação em favor dos seus povos que atingiu o cume com a oferta que Carlos fez da sua própria vida, à qual se associou desde logo inteiramente, de forma dolorosa, a sua mulher Zita”.

Elizabeth Montfort destaca ainda a “humildade, a simplicidade e a santidade” do casal, frisando que este exemplo de amor conjugal é “uma mensagem muito atual” e um “exemplo para as famílias de hoje”, ao mostrar que “mesmo nas dificuldades, nas adversidades, no momento do exílio, nos momentos de traição Carlos e Zita permaneceram unidos pelo sacramento do Matrimónio”.

Neste Ano Internacional da Família “este é um casal modelo”, para todas as famílias, que se ocupam de muitas coisas, mas que acima de tudo “devem manter uma vida simples e o amor de uns pelos outros”.

A autora considerou também que o Rei Carlos é “um excelente exemplo para os jovens”, fazendo votos para que ele seja proposto como isso mesmo aos jovens que vão participar em Lisboa, em 2023, nas Jornadas Mundiais da Juventude. 

“As comemorações deste centenário servem para atualizar tudo o que ele nos deu”, frisou Elizabeth Montfort, para logo acrescentar que o facto das mesmas decorrerem no Funchal são “um belo reconhecimento da admiração que os portugueses sempre nutriram pelo Rei Carlos e a Rainha Zita”. Aliás, “os portugueses sempre foram extremamente gentis e acolhedores”.

No Funchal, quando faleceu, o Rei “ofereceu a sua vida pela reconciliação dos povos”, um gesto que “fez mais pela santidade dos habitantes do Funchal que todos os sermões, o exemplo, testemunho tiveram sempre um poder superior ao qualquer discurso”.

Realidade da paixão por Cristo

A apresentação da obra propriamente dita esteve a cargo do Arquiduque Miguel de Habsburgo, familiar do imperador Carlos e aconteceu depois de pequenas intervenções de Henrique Mota, em representação da Lucerna e de João Perry da Câmara, da Fundação a Junção do Bem, que apoiou a publicação da mesma.

O Arquiduque Miguel começou por fazer menção aos vários títulos e medalhas do Imperador que, frisou, contrastam com o modo de vida que levou e com o próprio título desta obra. A primeira que “os descreve como um casal e fala sobre o seu percurso espiritual comum” e que é o resultado de uma pesquisa feita com “muita dedicação e paixão”.

No caso de Carlos, acrescentou, “é impressionante e chocante a radicalidade da sua devoção a Cristo ao longo da sua tão curta vida”, mas foi “a base do seu pensamento e das suas ações em todas as questões e decisões”.

Em plena Guerra Mundial “foi o único soberano que fez de tudo para convencer os outros chefes de estado a assinarem a paz sem condições, porque o seu verdadeiro sonho era alcançar uma paz mundial, ultrapassando os nacionalismos para constituir uma grande comunidade europeia fundada na cooperação, no respeito pelas minorias, economias e pessoas”. 

“Ciente de que cada pessoa é única e tem um projeto a realizar, que só Deus conhece”, não foi entendido pelos seus pares que o difamaram e atraiçoaram e o obrigaram ao exílio. Se o tivessem ouvido nessa altura, sublinho o arquiduque Miguel, “a Europa unida teria surgido há muito mais tempo, uma constituição mais justa e certamente não teria sofrido os horrores da 2ª Guerra Mundial”.

Só poucos, disse, se aperceberam da sua bondade e da sua fé e das suas virtudes, desenvolvidas pela sua relação com a Eucaristia, primeiro frequente e depois diária”. Não deixava o que quer que fosse a meio e “o seu desejo de tornar feliz toda a gente tornaram-se uma marca, estando prontamente disponível para o sacrifício”. 

De resto, “os traços de espiritualidade deste Imperador foram os típicos de todos os santos: a fé fervorosa, a esperança constante, o amor infinito pelos pobres, pelos menos afortunados e pelos seus inimigos, a humildade, a piedade, a modéstia, a consciência de ser um filho de Deus que vive no meio dos outros homens todos eles igualmente filhos de Deus, a grande devoção pela Eucaristia e a forte devoção filial pela Virgem”. Tanto assim que, dedicou a sua vida “para a salvação dos seus povos. No seu leito de morte, aos 34 anos, apesar das horas de agonia, a paz transparecia. Carlos perdoou a todos os seus inimigos, os que o ofenderam e trabalharam contra ele. 

Zita, que toda a vida esteve do seu lado, procurando ser “o seu apoio, o seu conforto, a sua conselheira”, certamente sofreu com a incompreensão de que o seu marido sempre alvo ao longo da sua vida, encontrando também na sua própria fé um conforto, embora muitas vezes “com o coração pesado e repleto de dor”, mas confiando em Deus que sempre acompanharia a ambos.

“Quando olhamos para a vida deste casal reconhecemos a verdade profunda das palavras das bem-aventuranças tal como Jesus as ensina, porque cada uma destas palavras foi cumprida na vida de Carlos e Zita” que, “com a perda do conforto terreno, foram levados cada vez mais para a paz e o amor de Deus”. Uma união com o criador, que “a jovem viúva continuou a viver e a alimentar durante 67 anos”.

Mais do que uma nota de rodapé

A última intervenção esteve a cargo de D. Nuno Brás, que começou logo por frisar que “é sempre difícil falar do Beato Carlos e de Zita” e por confessar que pouco sabia sobre a existência e a vida do imperador”, até à sua beatificação por São João Paulo II, em 2004.

Foi a partir daí que nasceu o seu interesse por conhecer esta figura que os manuais de história insistem em tratar como “nota de rodapé”, não lhe dando o merecido destaque, muito menos no que concerne ao “itinerário espiritual de Carlos e ao itinerário espiritual do casal”.

A história de Carlos e Zita, lembrou, começa de facto como um conto de fadas, que se torna “de repente um pesadelo”, porque “a 1ª Guerra Mundial foi, efetivamente um pesadelo, ‘um conflito inútil’, como lhe chamou o Papa Bento XV, que deu origem a uma geração perdida”.

No entanto, “é interessante percebermos como os homens se deixam levar para o precipício da guerra e no meio de todo este drama aparecem Carlos e Zita”. Carlos que “procura não só construir a paz, mas que vive de uma paz interior que ele encontra, percebemo-lo depois, na Eucaristia e na oração, nomeadamente do rosário”.

Uma paz que, lembrou o prelado, “se traduz no cuidado pelos outros, na criação pela primeira vez no mundo de um Ministério da Assistência Social. 

“Uma identificação com Cristo”, não só dele, mas “da família para quem ele sempre regressava todos os dias apesar dos seus múltiplos afazeres” e finalmente a “identificação com Cristo aqui na ilha, com um sofrimento único de pobreza, de fome”, mas um “testemunho que floresceu” e que passou para os filhos.

Este esquecimento do imperador Carlos tem, no entender de D. Nuno, duas razões de ser, a primeira é que “Carlos e Zita proclamam bem alto, como testemunho de vida, que o século XX poderia ter sido um século radicalmente diferente e isso para os bem pensantes e os que conduzem a política deste mundo é incómodo”.

A outra razão é aquela que vem “da identificação profunda de Carlos e Zita com Jesus Cristo, no fundo a casa edificada sobre a rocha firma da palavra de Deus”. 

A leitura deste itinerário espiritual de um casal cristão, considerou a terminar o bispo do Funchal, que está muito bem escrito, “nos fará sempre tão bem”, lembrando-nos do testemunho de “um casal que se vai identificando com Cristo na sua paixão para depois dar frutos e frutos que permanecem”.