O Arcebispo D. Rino Fisichella, presidente do Pontifício Conselho para a Nova Evangelização e o escolhido pelo Papa Francisco para preparar o Jubileu de 2025, que tem como lema «Peregrinos de esperança» vai estar amanhã na Diocese do Funchal.
Foi convidado para orientar os trabalhos da Semana de atualização do Clero, dos Leigos e Consagrados, que decorrerá no Seminário Diocesano e na igreja do Colégio.
Numa entrevista que nos concedeu por escrito, cuja primeira parte publicamos hoje, fala deste convite para vir ao Funchal, da caminhada Sinodal que o Papa propôs à Igreja e da pandemia que, “mesmo na sua gravidade, não nos deve impedir de viver em profundidade a nossa humanidade”.
Jornal da Madeira – Como encarou este convite para vir à Diocese do Funchal, a primeira Diocese Global, para orientar esta Semana de Atualização para o Clero, os Leigos e os Consagrados?
D. Rino Fisichella – Aceitei com muito gosto o convite para vir ao Funchal, sobretudo porque conheço o bispo há muitos anos e por ele tenho grande estima. O bispo foi uma das primeiras pessoas que compreendeu, ainda estudante, o grande desafio que vem da comunicação para a evangelização. Estou, portanto, feliz por poder partilhar esta semana de atualização do clero e leigos, também para indicar o meu apoio pessoal e proximidade nestes primeiros anos do seu episcopado.
Jornal da Madeira – O tema desta semana é “Por uma Igreja sinodal. Comunhão, participação e missão”, que Igreja sinodal é essa que o Papa Francisco quer e como cada um de nós pode contribuir para alcançá-la?
D. Rino Fisichella – Toda a Igreja está neste caminho para compreender cada vez mais o grande valor que a dimensão sinodal possui para a vida da Igreja. Penso que o tema escolhido é particularmente eficaz. A dimensão de uma Igreja sinodal é uma Igreja que vive da comunhão e da participação porque descobre a sua missão evangelizadora. Uma Igreja sinodal é uma Igreja em caminho, não é uma Igreja parada, estática; é antes uma Igreja que, como os discípulos de Emaús, sabe para onde vai. Cada um deve contribuir com seu próprio carisma. A dimensão do Sínodo, inevitavelmente, nos remete às primeiras comunidades cristãs. Nesta perspetiva, basta ler a primeira Carta aos Coríntios para verificar o que o apóstolo Paulo deu como ensinamento às primeiras comunidades e que deve guiar ainda hoje a vida da Igreja. É a Igreja que vive na profunda experiência do Espírito Santo, a Igreja que se coloca, antes de mais, à escuta, portanto, uma Igreja que precisa de fazer silêncio. Porque sem silêncio não há escuta verdadeira. Neste silêncio compreendemos ainda mais quais são os dons que o Espírito oferece a cada um, porque sabemos que cada um é uma contribuição ativa para o crescimento da comunidade cristã.
“A nova evangelização não faz mais do que exprimir antes de tudo à comunidade cristã, a exigência de colocar de novo em primeiro lugar a grande responsabilidade da evangelização”.
Jornal da Madeira – D. Rino Fisichella defende que “o crente é feito para viver em comunidade, não isolado” e que “a distância não deve ser a dimensão definitiva de nossa existência pessoal”, porém os tempos em que vivemos são de distância, ditados por um vírus.
D. Rino Fisichella – O vírus que criou a pandemia é uma grande provocação que chega também aos crentes, não só individualmente, mas também à comunidade cristã. Individualmente podemos pensar que certamente descobrimos de forma inesperada um momento de fragilidade, descobrimos que a segurança e a confiança que temos na ciência precisam de ser redimensionadas, pois até a ciência, num primeiro momento, se viu desorientada. Claro que a descoberta das vacinas nos permitiu dar um passo à frente, mas do ponto de vista existencial é evidente que temos e carregamos connosco experiências que nos fazem compreender a fragilidade que possuímos. Isso deveria permitir que a comunidade cristã seja capaz de um anúncio que fale de esperança. A esperança cristã tem uma característica particular, porque a esperança que professamos e anunciamos, na qual cremos, é uma esperança que vive da certeza. A esperança não é um sentimento vão, um sentimento teórico. A esperança cristã vive da certeza de que aquilo que o Senhor prometeu torna-se realidade.
Jornal da Madeira – O Senhor disse também que uma pandemia não mudará a dimensão da fé das pessoas, nem mudará as suas vidas. É um pensamento dissonante. O que lhe faz dizer assim tão fortemente que as coisas vão ser assim?
D. Rino Fisichella – É verdade, pude dizer durante a pandemia que ela não deve mudar nem a dimensão da fé nem a nossa vida e disse-o porque muitos insistiam no isolamento e no facto de não se poderem encontrar. Por outro lado, tenho plena convicção de que a pandemia, e o pós-pandemia, deverá levar novamente a redescobrir aquilo que é a nossa própria natureza: o homem não foi feito para viver isolado, para viver fechado na sua própria casa. O homem não é feito para ter um relacionamento como se fosse um mónade. O homem foi feito para a relação. A pessoa, no mesmo termo, diz “relacionalidade”. Diz a capacidade de encontrar-se, abraçar-se, apertar as mãos, beijar-se, poder expressar os afetos, e acredito que tudo isso foi impedido por muitos meses devido a pandemia. Acho que precisamos redescobrir esta dimensão em profundidade porque todos nós sentimos falta dela. É uma nostalgia que se vive e se percebe. Basta olhar as nossas ruas, as nossas praças. Nós construímos a praça, porque a praça é um lugar onde as pessoas se encontram. Andamos pelas ruas, lá precisamos de nos encontrar. É por isso que a pandemia, mesmo na sua gravidade, não nos deve impedir de viver em profundidade a nossa humanidade.
“A esperança cristã tem uma característica particular, porque a esperança que professamos e anunciamos, na qual cremos, é uma esperança que vive da certeza”.
Jornal da Madeira – Como Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, como foi essa promoção e como vê esta situação atual: como um retrocesso, ou pelo contrário, como uma oportunidade?
D. Rino Fisichella – A nova evangelização é antes de tudo viver uma responsabilidade que nos foi confiada. A Igreja vive da missão que Jesus lhe confiou e a nossa missão é dar a conhecer o Evangelho da salvação. A nova evangelização não faz mais do que exprimir antes de tudo à comunidade cristã, a exigência de colocar de novo em primeiro lugar a grande responsabilidade da evangelização. Quem encontrou Jesus Cristo não pode guardá-lo só para si. Precisa de tornar participante também os outros. É uma alegria tão grande ter encontrado o Senhor que não podemos guardá-la só para nós. A alegria deve ser compartilhada, a alegria deve ser partilhada. Uma vez que o anúncio do Evangelho é amor, seria profundamente contraditório que os cristãos se fechassem em si mesmos. A comunidade cristã, diz-nos continuamente o Papa Francisco, é uma comunidade “em saída”. Isto significa uma comunidade que pretende partilhar com todos o coração do Evangelho, ou seja, o amor que Deus nos revelou e nos deu a conhecer. Isso acontece, em primeiro lugar, com o nosso testemunho. Somos testemunhas do amor. Não de um amor passageiro, mas de um amor que dura para sempre. É verdade que a cultura de hoje dificilmente compreende essa dimensão. É um amor que dura para sempre. E esta é a verdade profunda e o desejo mais profundo que todo homem e mulher querem acolher. Nem por um momento, o amor não pode ser confundido com paixão, mas um amor que dura para sempre.