Domingo II do Advento: Um caminho novo direitinho ao coração

D.R.

1. Sempre considerei o texto de Lucas 3,1-6, que constitui a passagem do Evangelho que temos a graça de ouvir neste Domingo II do Advento, como uma das páginas mais admiráveis, e, ao mesmo tempo, mais implacáveis que me vieram ter à mão. À primeira vista, parece que o narrador pretende apenas situar as principais figuras e os principais acontecimentos da salvação bem no coração da história e da geografia humanas. É assim que o vemos traçar com rigorosa precisão a vinda da Palavra de Deus sobre João Batista, no deserto, no 15.º ano do império (hêgemonia) de Tibério (Lucas 3,1). Como Tibério reinou de 14 a 37, o 15.º ano do seu governo corresponde, segundo o cálculo comum, ao ano 28-29, ou, segundo o cálculo siríaco, ao ano 27-28, sempre de outono a outono.

2. Se a pretensão do narrador fosse apenas a de situar as figuras de João Batista e, sobretudo, Jesus, no centro da história de então, bastava a referência precisa que faz a Tibério. Mas o narrador acrescenta-lhe quatro nomes, que têm a ver com a divisão do território do reino de Herodes o Grande (37-4 a. C.): Pôncio Pilatos, governador romano da Judeia (26-36 d.C.), que condenará Jesus à morte na cruz (Lucas 23,24), como recitamos no Credo; Herodes Antipas, responsável pela prisão e decapitação de João Batista (Lucas 3,20; 9,9), e que, enquanto tetrarca da Galileia (4 a.C-39 d.C.), tem também jurisdição sobre Jesus (Lucas 13,31), sendo esse o motivo pelo qual Pilatos lhe enviará Jesus (Lucas 23,6-12). Estas duas figuras estão diretamente ligadas à morte violenta de Jesus e de João Batista. As menções de Filipe, tetrarca da Itureia e da Traconítide, regiões que se estendiam a norte e oriente do Mar da Galileia, e de Lisânias, tetrarca de Abilene, que se situava na Beqaa libanesa, parecem servir para mostrar que a história de Jesus e a salvação que Ele traz têm a ver, não apenas com os hebreus, mas com todos os povos, até os mais insignificantes, hoje diríamos, com as periferias. Os nomes de Anás e Caifás, sumos-sacerdotes de 5 a.C. a 15 d.C. e de 18 a 36 d.C., respetivamente, trazem para a cena o poder religioso judaico, que se escandalizou com o comportamento de Jesus e solicitou a sua condenação à morte.

3. Ora bem, é este mapa do mundo civil e religioso que é aberto ao meio de forma clara e impiedosa pela Palavra de Deus (rhêma Theoû) que veio como um acontecimento (egéneto) sobre João Batista, no deserto (Lucas 3,2). Então, recebendo a página de outra maneira, a mais intensa, o elenco dos nomes dos grandes do mundo de então não traduz tanto a pretensão do narrador de fazer história. Em vez disso, com a precisão do bisturi, quer dizer-nos que a Palavra de Deus passa ao lado dos senhores deste mundo, e cita Tibério César, Herodes Antipas, Filipe, Lisânias, Anás e Caifás, e nós podemos sempre atualizar este elenco, incluindo nele outros nomes e o nosso também. Aí está o golpe a sangrar do bisturi de dois gumes que é a Palavra de Deus (Salmo 149,6; Hebreus 4,12). De forma grandemente sintomática, a Palavra de Deus passa ao lado deste mundo rico e saciado, poderoso e religioso, impiedoso e insensível, e, para grande espanto nosso, vai cair sobre um pobre, João Batista, que não habita em palácios, mas no deserto! E, tal como na primeira página do Livro do Génesis, a Palavra de Deus dita e feita veio (wayhî TM; egéneto LXX) sobre o caos (Génesis 1,3), ordenando-o e imprimindo-lhe um sentido, sendo depois ordenado ao homem que continuasse essa tarefa, aqui está um novo sentido imprimido à caótica história humana, sintomaticamente não pelos ricos e importantes, mas pelos pobres, e também não nas capitais, mas nas periferias, no deserto!

4. No deserto nada é obra das mãos do homem. Nada é idolátrico, portanto. É tudo obra das mãos de Deus. Nova criação à vista, onde irrompe outra vez a voz de Deus: uma voz que nunca se ouviu, um silêncio que nunca se calou! Caminhos novos, retificados, plenificados. Pura engenharia divina. A salvação de Deus ao alcance de todos. Universalidade. É significativo que, ao contrário de Mateus 3,3, de Marcos 1,3 e de João 1,23, que citam apenas Isaías 40,3, Lucas alarga a citação a Isaías 40,3-5, para incluir que «toda a carne verá a salvação de Deus». «Toda a carne», isto é, toda a humanidade. Como habitualmente, Lucas é universalista e missionário (Evangelho missionário), e quer que a voz criadora de Deus desenhe caminhos novos para todos, retina em todos os ouvidos e leve a salvação a todos os corações.

5. Este Domingo II do Advento serve-nos também a delícia de Baruc 5,1-9, isto é, todo o Capítulo 5 do Livro deuterocanónico de Baruc. Baruc passa por ser o secretário de Jeremias. Mas o Livro de Baruc, só conhecido em grego, é tardio. E canta, de forma esplendorosa, a cidade de Jerusalém personificada como Esposa e como Mãe. Esposa de Deus, e como tal maravilhosamente vestida e adornada, e como Mãe dos filhos de Deus, que regressam festivamente a Casa, vindos dos quatro cantos do mundo, unidos e reunidos, livres e felizes, saídos de todas as opressões, de todos os exílios, de todas as orfandades.

6. Por detrás desta Esposa bela e Mãe radiante, pode ver-se em filigrana a Noiva do Apocalipse, bela como uma Esposa adornada para o seu Esposo, a Igreja nossa Mãe. No texto de Baruc, esta Esposa e Mãe recebe um nome novo, dado por Deus. Quando é Deus a dar o nome, isso significa criar: nova criatura, dileta, imagem perfeita de Deus, filha do amor, mãe do amor. Nós, que formamos esta Igreja, Esposa bela e Mãe radiante, não podemos hoje deixar de cantar bem alto a nossa gratidão e a nossa alegria. Impõe-se ainda que façamos da nossa Igreja local, da nossa Paróquia, onde nos reunimos, «a Casa carinhosa e acolhedora de Deus no meio das casas dos seus filhos e das suas filhas», para o dizer com as palavras belas de S. João Paulo II, na Exortação Apostólica Christifideles laici [30 de Dezembro de 1988], n.º 26), que alguns anos antes já tinha dito, no mesmo sentido, que a vocação da paróquia «é a de ser a casa de família, fraterna e acolhedora» (Exortação Apostólica Catechesi tradendae [16 de Outubro de 1979], n.º 67).

7. Para dizer esta alegria filial, batismal, temos de cantar que «o Senhor fez maravilhas em favor do seu povo». É o Salmo 126, o canto do regresso a Casa, de um sonho feliz, da estação das canções e das colheitas. Verdadeiramente Deus cuida de nós. O Canto ritmado deste Salmo serve para nos abrir bem os olhos do coração para vermos bem as inumeráveis maravilhas com que Deus enche os nossos caminhos todos os dias. Entre a sementeira e a ceifa, entre a dor e a alegria, o inverno e a primavera, a semente não erra e não mente. Segue o seu curso natural. Suavemente. Aí está, portanto, outra vez a jubilosa procissão dos exilados! E nós, extasiados, como quem sonha, a boca cheia de riso e os lábios de canções.

8. E aí está também o princípio da Carta de S. Paulo aos Filipenses (1,4-6.8-11). Filipos foi a primeira comunidade cristã fundada por Paulo em solo europeu, aí pelo ano 49 ou 50. Quanta alegria, quanta ternura, quanto amor, quanta sensibilidade cristã perpassa esta bela página de S. Paulo. Deliciemo-nos. Ser cristão, filho de Deus, membro desta Igreja Esposa e Mãe, é deliciar-se e ser delicioso. Este é o caminho novo que urge abrir direitinho ao nosso coração e ao coração da humanidade.

O Senhor do Advento
é Aquele-que-Vem
nascer em Belém,
bater à nossa porta,
pedir ao nosso coração
um bocadinho de pão.
Tão pouco e tanto nos pede Jesus,
e para nosso espanto,
e encanto nosso,
o Filho de Maria
vem vestido de irmão nosso
de cada dia.
Ele anda por aí,
ao frio e ao calor,
rico e pobrezinho,
Nosso Senhor.
Vem, Menino,
Senhor do mundo,
do sol e da lua,
bate à minha porta,
entra em minha casa,
e que, por graça,
entre eu também na tua.

António Couto