O bispo do Funchal presidiu este sábado, dia 4 de Dezembro, a uma Eucaristia no Estabelecimento Prisional do Funchal (EPF), na qual participaram 49 reclusos e reclusas.
No início da celebração D. Nuno disse que aquela era a sua “primeira Missa do Parto deste ano”. E de facto foi disso que se tratou. Depois da pandemia ter impedido o prelado de celebrar, no ano passado, esta Eucaristia.
Na homilia, D. Nuno explicou que as leituras deste dia nos deixam uma mensagem muito importante. Tal como o povo de Israel, de que nos falava Isaías na primeira leitura, “parece que o Senhor os tinha abandonado”. Porém, não era isso que se estava a passar. Na verdade, “mesmo no meio da tribulação e das dificuldades, Deus não te abandona, Deus está contigo para te dar luz e te dizer aquilo que deves fazer, como deves viver”.
Este Deus que não abandonou o seu povo, disse o prelado, “é o mesmo, é o Deus que viveu no tempo de Isaías, Deus é o mesmo no tempo de Jesus e é o mesmo hoje”. Dirigindo-se aos reclusos o pelado lembrou-lhes que “este é o Deus que nos acompanha no meio das dificuldades, que não nos tira essas mesmas dificuldades, mas ajuda-nos a vivê-las de forma diferente”.
Por outras palavras “Ele não nos tira as dificuldades, sobretudo as que nós criamos, mas ajuda-nos a passar por elas e a reconhecer os nossos erros e a perceber que Ele não nos abandona, bem pelo contrário: coloca diante de nós a estrada, e ajuda-nos a perceber o que havemos de fazer em cada situação, em cada momento da nossa vida”.
O Natal, explicou o bispo do Funchal, é “precisamente um sinal disto, é um sinal de que Deus não nos abandona, a nós e ao mundo inteiro e é um sinal de que Deus não desiste de nós”.
Quanto a celebrar o Natal todos os anos D. Nuno disse que tem de ser assim “repetir as coisas para ver se elas entram, se elas entram nos nossos ouvidos e no nosso coração, para ver se nos convencemos e se em cada ano vivemos com mais certeza de que Deus não nos abandona”.
Tudo isto significa, constatou, “que a nossa vida pode ser vivida de uma forma diferente, pode ser vivida não olhando apenas para o hoje, mas para a vida eterna, para a vida com Deus” e na certeza de que se deixamos Deus viver a nossa vida tudo muda verdadeiramente”.
E foi isso que o prelado exortou os reclusos a pedir ao Senhor, “que este Natal seja verdadeiramente Natal, que este Natal seja mais um passo para o sentirmos ao nosso lado a dar-nos força, a dar-nos coragem para viver as dificuldades” e que “Ele nos ajude a perceber que se Ele está connosco, tudo o resto importa menos, que se Ele está connosco todas as dificuldades podem ser vividas de forma diferente, que se Ele está connosco a nossa vida é uma vida diferente é a verdadeira liberdade”.
Já no final da celebração, que foi animada pelo grupo do Kiko e demais jovens que costumam animar Missas do Parto, D. Nuno Brás disse que havia rezado também pelas famílias dos reclusos, “pedindo ao Senhor que todos eles tenham um Santo Natal, cheio de saúde, cheio de alegria, mas sobretudo cheio de Deus”.
Já o cónego Rui Pontes, capelão do EPF, começou por dizer que se tinha cruzado com alguns familiares dos reclusos e que estes lhe haviam dito que eles estavam “motivados para a celebração da Eucaristia”. Tal facto, frisou, “é motivo de ânimo para nós, vermos a vossa inquietação, o estreitar da proximidade da nossa relação connosco”.
Passou depois aos agradecimentos, a começar por D. Nuno Brás que, “desde a primeira hora em que lhe falei da possibilidade de cá estar, foi ele um entusiasta de poder estar com aqueles que necessitam de uma presença, de uma palavra, de um gesto amigo”.
Os agradecimentos foram depois para o EPF, na pessoa do seu diretor Fernando Santos e do diretor ajunto Armando Coutinho, à comissária Lina e chefe Maneca, às guardas Ana e Paula, à Dr.ª Ana Bela, aos Serviços dos Guardas Prisionais aos reclusos, em particular os que colaboraram na elaboração do presépio ali no espaço em toda a sua limpeza e preparação para esta Missa ao grupo do Kiko que “ajuda a divulgar este património imaterial que são as Missas do Parto, uma marca madeirense”.
O cónego Pontes agradeceu também à equipa da Pastoral Penitenciária que com ele trabalha, que já tem um logótipo e vai passar a ter também uma página de facebook para divulgar as suas atividades. Uma equipa que, disse “está empenhada e pensa em vós e que está aqui para vos ajudar, para estar ao vosso lado”, porque o importante é serviço que se presta e o estar para os outros”.
Sinal de conforto e de proximidade
Depois da celebração, que terminou com o tradicional cântico “Virgem do Parto”, o Jornal da Madeira falou com o diretor do EPF sobre a importância destes momentos. Fernando Santos disse-nos que “quem vive em reclusão vive um ano sempre diferente, o dia a dia é diferente dos que vivem em sociedade livre”.
É certo que os que ali se encontram, “de uma ou de outra forma, consciente ou inconscientemente fizeram por isso”, mas “perante essa realidade procuramos ao longo do ano criar uma série de atividades”, que os ajudem num futuro regresso à sociedade.
Claro que no Natal os reclusos “sentem mais a separação familiar, porque o Natal é uma festa de família, com a agravante de nos últimos dois anos, com a pandemia, tem sido maior a dificuldade no que toca ao convívio familiar”.
Mesmo assim, acrescentou, “vamos criando alguns meios, algumas condições para que esses contactos sejam possíveis, nomeadamente através de um sistema que criamos do Skype, em que as pessoas falam quase diariamente com a família, vêem os filhos, a mulher, o marido, os pais, mantendo os laços com exterior porque um dia vão regressar e se possível melhores do que entraram”.
Quanto à Eucaristia em concreto e à presença do bispo diocesano, Fernando Santos disse-nos que “é sempre um sinal de conforto e de proximidade” e uma forma de “criar condições para que as pessoas vivam, tanto quanto possível, o mais próximo da realidade”.
Para que esta missa se pudesse celebrar foram cumpridas todas as condições que estão definidas em termos de regras sanitárias, nomeadamente o uso de máscara, desinfeção das mãos e o distanciamento, além de que quem veio de fora foi sujeito a um teste rápido.
Felizmente, conforme nos adiantou o diretor do EPF, “não temos tido problemas nenhuns, está tudo vacinado e como tal achamos que tínhamos as condições razoáveis”, para que esta celebração se pudesse realizar
Neste momento o EPF tem 282 reclusos. A maioria são madeirenses, “mas também temos reclusos dos Açores, do continente, da Áustria e da Alemanha, da França”, adiantou-nos Fernando Santos que, em jeito de mensagem “desejou um bom Natal para todos e que para o ano possamos estar cá, com mais gente se as condições o permitirem”.
D. Nuno salienta empenho do EPF
Já D. Nuno Brás, à margem da celebração, confessou-nos que o que lhe “apetecia dizer era que o Funchal estava muito bonito, que estava a cidade cheia de luzes, mas estas pessoas não podem ver a cidade com as luzes. Trata-se, de facto de uma situação difícil de privação de liberdade”.
No entanto, e foi essa a mensagem que tentou passar, “é que a verdadeira liberdade é muito mais do que estar ou não atrás de umas grades, mas é qualquer coisa de ser livre, qualquer coisa de Deus connosco e quando Deus está connosco, mesmo em situação de prisioneiros, seja numa prisão seja de uma doença ou de uma outra realidade qualquer, se pode transformar em liberdade”.
Quanto a ter rezado também pelas famílias dos reclusos D. Nuno, lembrou que “é sempre um momento muito difícil também para elas, já que estes nossos irmãos que aqui estão faltam às famílias” nesta quadra tão importante.
D. Nuno terminou esta breve conversa com o Jornal salientando “todo o empenho do estabelecimento prisional para que esta celebração se pudesse realizar este ano” e desejou que para o ano ela possa voltar a acontecer, talvez com mais gente e sem máscaras.
Associação Pastoral Penitenciária do Funchal
Finalmente, o cónego Rui Pontes fez-nos uma espécie de balanço do que têm sido estes meses à frente da Pastoral Penitenciária, frisando que esta tem sido “uma realidade nova”. Mais habituado à abordagem paroquial ou da família, quando desafiado para esta missão, confessa que a encarou com “alguma inquietação” por ser “um novo mundo”.
Com o tempo, “fui conhecendo os guardas, os reclusos e senti necessidade de ter uma equipa a trabalhar comigo, lancei o projeto de criar uma Equipa de Pastoral Penitenciária, tendo convidado para a integrar pessoas de várias áreas, nomeadamente da psicologia, da advocacia, na área do conhecimento empresarial, animadores na formação na área catequética e um guarda prisional”.
Diga-se que a equipa tem estado a funcionar em pleno e que neste momento se está a trabalhar na criação de uma associação, com estatutos próprios, que já foram elaborados e revistos, faltando apenas “acertar alguns pormenores técnicos na área civil”, para poderem ser aprovados.
Esta Associação, que terá precisamente a designação de Pastoral Penitenciária do Funchal e que se espera entre em funções “já no início do próximo ano”, vai procurar garantir não só um trabalho de prevenção na sociedade, isto é de mostrar à sociedade que esta é uma realidade que toca a todos e não só a alguns”. Mas também vai estar preparada para “pensar no depois, ou seja na reinserção, sabendo que ela é muito difícil porque há sempre um estigma, um olhar de forma a diminuir aquele que passou por esta realidade”.
“Nós estamos a pensar também em lhes dar algumas ferramentas para quando saírem possam organizar a sua vida”. Alguns dos reclusos, quando voltam à liberdade, “nem uma morada têm”, lembrou o sacerdote, frisando que esse poderá ser também um dos apoios que a Associação lhes poderá prestar, durante algum tempo, a determinar.