Transformar lágrimas em sorrisos

D.R.

Ontem fui ao cinema. Já não o fazia há tanto tempo devido às restrições impostas pela pandemia. As saudades eram tantas! De novo numa sala de cinema. Era um sonho tornado realidade. Os últimos dias tinham sido extremamente duros, tão difíceis que sentia já uma enorme dificuldade em sair de casa. Sentia-me como que fechada dentro de uma garrafa que se encontrava fechada. E por mais esforços que envidasse esta não abria. Por essa altura uma amiga referiu que a alegria é consequência da virtude da caridade, que deriva de nos sabermos filhos de Deus, que cada um tem o seu caminho, e que a mesma transborda de dentro de cada um de nós levando a alegria aos outros. “Que nada perturbe a tua alma porque qualquer coisa que aconteça neste mundo, nada pode acontecer que não seja a vontade de Deus”. Deus é Pai mesmo quando nos envia sofrimento.

Interiormente pensei: “Devo andar com cara de segunda-feira”. Sei que Deus ama quem dá com alegria, que todos necessitamos de caras alegres ao nosso lado. Ontem lutei comigo própria procurando encontrar forças para sair de dentro da garrafa. Graças a Deus começava a terceira fase do desconfinamento. Decidi ir ao cinema. Foi muito bom. O filme era ótimo, apesar de ser um drama. Também não era dia para visualizar outro tipo de filme face ao momento que vivenciava e que passo a expor. Contudo retive uma frase que me marcou na sequência do que a minha amiga tinha mencionado sobre a alegria. “Transformar lágrimas em sorrisos”. Direi mesmo exercitar o sorriso amável para levar a alegria aos outros.

Tinha atravessado dias difíceis, relacionados com o Francisquinho de seis anos, que vivia num Lar de acolhimento, e que tinha passado o último Natal em nossa casa. Que criança adorável! Tão sofrida, já tinha vencido dois cancros, mas cheio de força, de vida e de alegria. Um exemplo de vida. O seu testemunho permanecerá para sempre nos nossos corações. Afeiçoámo-nos muito ao menino. Quando chegou o momento de regressar ao Lar referi que sempre que fosse autorizado poderia voltar, estar em nossa companhia, já era da casa, não era uma despedida mas um: “Até sempre!” Não venceu o terceiro tumor que entretanto surgiu. Hoje é o dia de uma homenagem ao pequeno Francisco promovida pelo Lar onde permaneceu nos últimos anos da sua curta vida e onde foi muito amado, acarinhado e acompanhado. Partiu no dia em que completou os seis anos. Teria lugar na Igreja de Santa Isabel. Tinha de apoiar o meu filho, nora e neta que estavam tão tristes quanto eu ou mais ainda. Muitas pessoas amigas tinham acompanhado a sua doença, o seu sofrimento e rezado pelo Francisquinho. Mas os desígnios de Deus são insondáveis. O que Ele faz está bem feito! Descansa agora, depois de uma vida atribulada e tão sofrida, nos braços de Jesus sorrindo feliz. A dor que sentimos é enorme, mas a fé e a esperança superam os nossos pensamentos. A nossa dor transformou-se agora em saudade!

Fiz uma longa caminhada até chegar à Igreja de Santa Isabel. Pelo caminho parei e sentei-me num banco de um jardim a usufruir do já fraco sol de fim do dia. Ainda assim aqueceu-me o coração. A missa e a homenagem ao Francisquinho foram um exemplo de fraternidade e de amor, acompanhada pelo coro e guitarra juvenil dos escuteiros. A fotografia do Francisco estava exposta. No ofertório as crianças do Lar ofereceram desenhos que tinham feito para o Francisco bem como alguns brinquedos seus. Muitos choravam, entre eles a minha neta que se encontrava inconsolável. Depois da homilia do sacerdote que lhes explicou que o Francisco estava agora em paz na companhia de Jesus, já que os médicos nada mais podiam fazer por ele. O Francisco encontra-se agora na Páscoa eterna e nós na sacramental. No céu velava por todos eles. No final a diretora emocionada leu uma carta de despedida em nome de todos. A homenagem foi muito bonita e sentida. Deus é Pai e vela por todos nós.

No regresso a casa já bem mais tranquilos e em paz consegui ter de volta o sorriso da minha neta e a sua alegria, quando face ao avançado da hora, lhe disse que o jantar era pizza de que tanto gosta. E procurámos dar alguma normalidade à vida com o Francisco sempre bem presente no nosso coração, com a sua enorme alegria, sabendo que agora, tem a graça de se encontrar na companhia de Jesus, José e Maria.

Ao pensamento veio-me a frase do filme que me tinha marcado e que teve o condão de dar o título a este artigo. “Transformar Lágrimas em Sorrisos”.