Um doente é uma pessoa

D.R.

Ainda a propósito da Eutanásia

Uma Pessoa não é uma coisa, mas um Quem, um Alguém, uma realidade muito profunda de grande riqueza interior que não se resume numa simples, ainda que abrangente, definição.

Sabemos que a dignidade é comum a todos os homens e não é só para alguns. A raiz desta universalidade provém da sua superioridade face a todas as criaturas. 

A Pessoa não é um ser estático no tempo mas está em constante evolução, na sua vida há uma dinâmica projectiva, situa-se sempre à frente do tempo de que dispõe, numa luta constante e paradoxal. Por um lado, procura guardar na memória o passado, eternizar o presente quando o considera feliz, e ao mesmo tempo, busca antecipar o futuro para poder decidir o seu destino e exercer domínio sobre si. Todavia este tempo é sempre vencido pela morte e ultrapassado pela ânsia de eternidade presente em cada homem.

Cada pessoa tem uma vida própria, pessoal, que não se pode transferir. O homem não é um ser cerrado sobre si mesmo, mas aberto, tem necessidade de sair de si, fazer-se dom para o outro, transcender-se e concretizar-se em plenitude. É através das suas capacidades mais elevadas e espirituais: a afectividade, a inteligência e a liberdade, que se pode realizar como Pessoa.

Não há pessoas em abstracto, quando falamos de Pessoa referimo-nos a todo o ser humano, que pode ser feminino ou masculino, numa feliz diversidade e complementaridade. 

Ambos são pessoas portadoras de toda a dignidade, mas a natureza fê-los diferentes, complementares, não antagónicos, mas como duas partes de um todo que só em união faz o equilíbrio perfeito.

S. Tomás de Aquino salienta que “ Pessoa significa o que é perfeitíssimo em toda a sua natureza. A esta perfeição hoje damos o nome de dignidade.

Assim, uma Pessoa é, por excelência, o ser mais digno que se eleva acima do cosmos, da matéria, das plantas e dos animais, porque se situa num plano diferente e superior: é uma personalidade e um espírito e, é daqui, que lhe advém a dignidade.

Não se pode ser mais ou menos pessoa, há uma radicalidade no conceito e nada a pode diminuir, nem extinguir. “Todo o ser humano é uma Pessoa em qualquer circunstância ou tempo da sua vida! 

A dignidade inerente à pessoa faz com que ela seja um valor em si mesma, não pode ser instrumentalizada, ou seja, ninguém se pode servir dela unicamente como meio para os seus interesses porque seria identificá-la com uma coisa e excluir o seu carácter pessoal. 

É ainda esta dignidade que fundamenta os direitos da Pessoa e a necessidade de respeitar os direitos mais básicos, como a vida, a liberdade de consciência, a intimidade, entre outros. Ela foi a base dos fundamentos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Kant, na Metafísica dos Costumes, formula as seguintes máximas:“ Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa, como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente, como um fim e nunca simplesmente como um meio”(…)“ Os seres cuja existência não depende da nossa vontade, mas da natureza, têm um valor relativo quando se trata de seres irracionais e, por isso, se chamam coisas; mas os seres racionais denominam-se Pessoas, porque a sua natureza os define como fins em si mesmo, algo que não pode ser usado como meio”.

O valor da Pessoa implica que ela não pode ser trocada, coisificada, manipulada ou morta, não se pode atentar contra a dignidade da Pessoa, pelo contrário, a atitude adequada a tomar será de respeito, reconhecimento, amparo, proteção e acolhimento.

Dignidade, humanidade, direitos humanos e liberdade hoje são palavras deturpadas por ideologias estranhas e perigosas. A sociedade ocidental foi resvalando para uma cultura consumista, desumana e egoísta. O individualismo pós moderno aliado ao relativismo, fragmenta a percepção da realidade no seu todo, gerando múltiplas nuances de realidades, todas incompletas, distorcidas e fragilizadas. Estas consequências abrem espaço para a intervenção do Estado, que num cenário relativizado, órfão da verdade, se submete facilmente à vontade exterior do poder económico e político que lhe oferece a morte ao doente como um bem, como um remédio, em nome do progresso e da liberdade.

Nesta espiral narcísica de poder niilista, nada parece existir fora do seu estreito horizonte e o progresso é assumido ideologicamente como uma desvinculação entre o homem e os seus limites antropológicos, sociais, morais e naturais.