A arte como instrumento de evangelização (4) 

O filho pródigo, Rembrandt

Na mesma linha de pensamento expressa-se o Papa Bento XVI. Na sua carta Encíclica Deus caritas est, afirma ele que «no início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo» (DCE, 1).

Comentando essa passagem, Carlos Alberto Godinho afirma que «o Papa coloca-nos diante da prioridade do amor de Deus, que vem ao nosso encontro, e da resposta humana a esse amor»1. O conferencista continua dizendo que, assim

«a arte sacra e a arte religiosa, a par dos demais instrumentos de evangelização na igreja, desempenham aqui uma função própria e singular, quando permitem, a partir do objeto artístico criado, perceber a presença do seu significado íntimo, abrindo, ao fruidor, a experiência interior do encontro, onde Deus se pode comunicar, na Sua graça e benevolência»2. 

E Carlos Alberto Godinho conclui que a arte desempenha a função mediadora, neste encontro entre o homem e Deus3.

Em 2010, o Papa Bento XVI visitava Portugal, e em Lisboa, num encontro com os artistas, derigia-lhes o seguinte apelo «fazei coisas belas, mas sobretudo tornai as vossas vidas lugares de beleza». De facto, este convite é feito no contexto da busca da verdade e da abertura à experiência de Deus4. O convite era feito no contexto da busca da verdade e da abertura à experiência de Deus. Nesse sentido, o Papa advertia que «a Igreja sente como sua missão prioritária, na cultura atual, manter desperta a busca da verdade e, consequentemente, de Deus; levar as pessoas a olharem para além das coisas penúltimas e porem-se à procura das últimas»5. E o convite do Papa entendia-se ao aprofundamento do conhecimento de Deus tal como Ele Se revelou em Jesus Cristo para a nossa realização total 6. 

Também o Papa Francisco, por sua vez, relaciona a beleza com o amor 7 do qual afirma que:

«a sensação que sentimos também quando admiramos uma obra de arte, ou qualquer maravilha que seja fruto do engenho e da criatividade do homem: diante de tudo isto, o Espírito leva-nos a louvar o Senhor do profundo do nosso coração e a reconhecer que, em tudo aquilo que temos e somos, é um dom inestimável de Deus e um sinal do seu amor infinito por nós»8. 

Os documentos do magistério eclesial em matéria de arte baseiam-se nas seguintes ideias fundamentais: a arte como expressão e encontro com a beleza e a verdade; a beleza transcendente que permite o acesso ao mistério; a dimensão simbólica da arte, enquanto reflexo do mistério e procura do infinito; a arte como mediação e abertura à universalidade da salvação, caminho para Deus, instrumento de aproximação à fé e antevisão da «nova Jerusalém»9; a obra de arte ao serviço da experiência da vida cristã, inclusive da mistagogia; a necessidade, nos tempos modernos, de se proceder a uma reaproximação entre arte e a fé; e a arte como caminho de evangelização das culturas. Tudo isto, naturalmente e como está subentendido, sem descurar, a dimensão prática de certos objetos artísticos, cuja finalidade primeira é servir, com «dignidade e beleza», para o «esplendor do culto» (SC, 122). Para tal fim, o Concílio Vaticano II chega a propor a constituição de «escolas» ou «academias» para a formação de artistas (SC, 127); e que os candidatos ao sacerdócio sejam instruídos «na história e evolução da arte sacra», bem como nos princípios que a fundamentam (SC, 129).