Roménia: Tertulian Langa descobriu a vocação para o sacerdócio no cárcere

Foto: AIS

Por Paulo Aido

Um milagre na prisão

A repressão religiosa foi uma das marcas do regime comunista na Roménia. Centenas de leigos, padres, irmãs e bispos foram presos. Tertulian Langa foi um deles. O regime queria forçá-lo a desistir da sua ligação à Igreja Greco-Católica, mas não conseguiu. A experiência do cárcere fez crescer ainda mais a sua fé e ele descobriu que queria até ser sacerdote. 

Padre Tertulian Langa | Foto: AIS

A perseguição à Igreja e a repressão das práticas religiosas foram uma das marcas dos longos anos em que os países do Leste europeu estiveram sob o domínio de governos comunistas. A Roménia, que o Papa Francisco visitou recentemente, não foi excepção. Marius Visovan, sacerdote na Paróquia de Vadeu Ize, recorda esses tempos. “Mais de 500 padres foram presos, tal como muitos monges, religiosas e fiéis. O regime comunista confiscou os nossos bens e entregou-os à Igreja Ortodoxa.” A partir de 1948, a Igreja Greco-Católica deixou oficialmente de existir. Mircea Eliade, um famoso escritor romeno, que viveu em Portugal entre 1941 e 1944, – morou em Lisboa e Cascais – recordou, mais tarde, a repressão que se estava a viver na sua pátria. “As igrejas eram ocupadas pelas milícias, os padres eram presos ou mortos nos seus altares, as religiosas eram levadas durante a noite em camiões da polícia para serem presas e maltratadas, centenas de padres e bispos aguardavam a expatriação em mosteiros…” Tertulian Langa conheceu, como poucos, a violência de quem quis silenciar todas as vozes das Igrejas não toleradas pelo regime. Foi preso em 1948, tinha 26 anos de idade. Era advogado, e já um conhecido filósofo e teólogo. Passou 17 anos atrás das grades. Foi preso por ser amigo do núncio de Bucareste. Foi interrogado e torturado. O próprio Langa haveria de recordar, num documentário da Fundação AIS, esses tempos terríveis de isolamento, de violência. “Fui espancado durante três meses. Sem que me fosse feita qualquer pergunta, tudo o que queriam era que falasse…” Tertulian Langa seria levado a julgamento. A farsa da justiça em que se tinha transformado a Roménia ficou evidenciada na acusação. Não havendo provas incriminatórias, foi pedida a aplicação da pena máxima: 15 anos de prisão com trabalhos forçados. Argumento: “se não fosse culpado, não estaria aqui…” 

Caminhar ou morrer…

Foram várias as prisões onde iria ser colocado. Aiud, Jilava, Lugoj. Cada uma pior do que a outra. Em todas, haveria de experimentar a desumanidade e a violência. a primeira cela para onde foi colocado estava vazia. Foi em Aiud. O frio era insuportável. “De repente ouvi alguém bater na parede”, recorda Tertulian. “Ouça-me com atenção”, escutou do lado de lá das paredes da cela. “Aqui temos de caminhar. Querem-nos matar por congelamento. Aqueles que não conseguem andar acabam por morrer.” Tertulian seguiu esse conselho à risca. Caminhava a maior parte do tempo. “Sempre que alguém parava, morria.” A prisão acabou por transformar a vida de Tertulian. “Foi na prisão que me apercebi da minha vocação. A oração tornou-se no único meio de comunicação espiritual de que dispunha. Ficava em comunhão com Deus.” Ao fim de alguns anos, as autoridades autorizaram que a família enviasse alguns medicamentos para Tertulian. E entre os remédios conseguiram fazer-lhe chegar uma pequena garrafa de vinho que, inacreditavelmente, passou pelos guardas e lhe foi entregue. “O oficial pegou na garrafa, abriu-a, provou e cuspiu logo. Não conseguiu suportar o sabor amargo do vinho. Deus operou um milagre…” O vinho transformou a vida dos reclusos. “Celebrámos a Missa Sagrada com aquele vinho. Todos os Domingos, nós, os que éramos crentes, reuníamo-nos.” Tertulian Langa foi libertado em 1964, durante uma amnistia política. Pouco tempo depois seria consagrado e tornou-se padre na Igreja Greco-Católica que funcionava ainda na clandestinidade. Langa é hoje lembrado como um exemplo da resistência nos tempos da ditadura.