Domingo V de Páscoa: Como Eu vos amei

Sieger Köder, A Última Ceia

Por D. António Couto

1. No tempo de Jesus, o panorama do judaísmo palestinense era dominado por duas escolas: a escola conservadora e rigorista de Shammai e a escola liberal de Hillel.

2. Conta-se que, um dia, um homem se terá apresentado na escola de Shammai, e fez ao mestre um estranho pedido: «quero que, enquanto eu me mantiver apenas com um pé no chão, tu me expliques toda a Lei». Diz-se que Shammai se limitou a pegar na sua vara de mestre e a correr o homem pela porta fora, pois era óbvio que o homem fazia um pedido impossível de cumprir, tal era a vastidão da Lei. Mas o homem não desanimou e dirigiu-se à escola de Hillel, a quem formulou o mesmo pedido. E Hillel terá respondido de pronto: «Nada mais fácil: “Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti!”».

3. A esta sentença de Hillel, na sua formulação negativa, deu-se o nome de «regra de ouro». Em boa verdade, ela já aparece no Livro de Tobias 4,15. É, todavia, fácil de verificar, que esta sentença é de fácil cumprimento. Dado que o seu teor é negativo, para a cumprir, basta a alguém cruzar os braços e nada fazer. Procedendo assim, nada fará de inconveniente a ninguém, cumprindo assim escrupulosamente a sentença.

4. Tentando talvez evitar a inação acoitada na formulação negativa anterior, os Evangelhos apresentam desta máxima uma formulação positiva: «Faz aos outros o que queres que te façam ti!» (Mateus 7,12; Lucas 6,31). Levando a sério esta formulação, já não é suficiente jogar à defesa e nada fazer, mas é requerido o fazer. Seja como for, as duas formulações apresentadas, quer a negativa quer a positiva, padecem do mesmo vício: sou eu o centro, é à minha volta que tudo roda, e o que eu faço ou deixo de fazer é com o objetivo claro de que me seja retribuído outro tanto!

5. O tom positivo da referida «regra de ouro» recebe ainda outra bem conhecida formulação: «Ama o teu próximo como a ti mesmo!», que atravessa de lés-a-lés a inteira Escritura: Levítico 19,18; Mateus 22,39; Romanos 13,9; Gálatas 5,14; Tiago 2,8. Mas também esta formulação é perigosa: primeiro, porque eu continuo o ser o centro, a medida do amor aos outros; segundo, porque, se alguém não se ama a si mesmo (e são, infelizmente, cada vez mais os casos!), como poderá cumprir devidamente esta máxima?

6. É aqui que cai, como uma lâmina, a força do Evangelho de Jesus, proclamado, por graça, neste Domingo V da Páscoa (João 13,31-34): «Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei!» (João 13,34), precedido por aquele precioso e carinhoso diminutivo «filhinhos» (teknía) (João 13,33), só aqui, esta única vez, colocado nos lábios de Jesus. Aqui, a medida não sou eu. Aqui, a medida é Jesus. Aqui, a medida é sem medida! Aqui, o amor não é interesseiro. Aqui, o amor é puro, radical, incondicional, assimétrico, sem retorno. Aqui, o amor é até ao fim, e obriga-nos a ter sempre como referência o Senhor Jesus e o seu modo de viver, dando a vida por amor, para sempre e para todos!

7. Este mandamento recebido (João 10,18) e dado (João 13,34; 15,12) impõe aos discípulos de Jesus de todos os tempos um estilo novo, uma nova maneira de viver e de fazer: «Como Eu vos fiz, fazei vós também» (João 13,15). Nesta formulação, o que é mais importante não é o quefazer, mas o como fazer. Neste sentido, alerta bem a Conferência Episcopal Argentina na sua Carta Pastoral Misión Continental (2009), n.º 17: «Importa considerar em primeiro lugar o que é preliminar a qualquer programa de ação. Antes da organização de tarefas, importa considerar como as vou executar, o modo, a atitude, o estilo. Desta maneira, as tarefas serão ferramentas de um estilo de comunhão, cordial, discipular, que transmite o fundamental: a bondade de Deus».

8. A lição de hoje do Livro dos Atos dos Apóstolos (14,21-27) põe outra vez diante de nós a viagem transitiva e intransitiva que a graça de Deus nos faz fazer (Atos 14,26), e de que resulta a narrativa de tudo o que Deus fez connosco (Atos 14,27) e com os pagãos, abrindo-lhes a porta da fé (Atos 14,27). É esta expressão que dá o título à Carta Apostólica Porta Fidei [«A Porta da Fé»] com que Bento XVI quis marcar o Ano da Fé, aberto em 11 de outubro de 2012, comemoração da data de abertura do Concílio II do Vaticano (11 de outubro de 1962), e encerrado (o Ano da Fé) em 24 de novembro de 2013, Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo.

9. Notável a lição do Livro do Apocalipse (21,1-5). Mundo novo, com Deus, Ele mesmo, a habitar no meio de nós, verdadeiro Emanuel, que acariciará o nosso rosto e enxugará as nossas lágrimas. Com o Emanuel a habitar connosco, desaparecerão a morte, o luto, a lamentação, a dor, e também o mar que, no mundo bíblico, aparece como símbolo do caos e do mal.

10. Fica bem hoje cantar com alegria renovada o grande hino alfabético que é o Salmo 145, até que vibrem as cordas do nosso coração. Orígenes classificava este Salmo como «o supremo cântico de ação de graças», e Agostinho viu-o como «a oração perfeita de Cristo, uma oração para todas as circunstâncias e acontecimentos da vida». E enquanto saboreamos as imensas riquezas que nos vêm de Deus: a sua graça, misericórdia, amor e bondade (Salmo 145,8-9), usando, para o efeito, toda a gama de sabores e todas as letras do alfabeto, continuemos a cantar: «Abris, Senhor, a vossa mão, e saciais a nossa fome!» (Salmo 145,16).

 

A grande questão que se levanta do chão

E do “eu”

Não é de ordem gnoseológica e científica,

Acerca do que se pode conhecer

E da constituição de qualquer ser.

A grande questão que se levanta do chão

É da ordem do amor,

Acerca do que é o amor,

Se eu amo

E se sou amado.

 

Se colocares no Google a pergunta: “o que é o amor?”,

Obténs para cima de trezentos milhões de respostas.

Mas, na Bíblia, as respostas reduzem-se a uma só: dar a vida.

 

Por isso, na Bíblia, amar é amar o estrangeiro,

Que é o outro diferente de mim,

E amar o inimigo,

Que é o outro contra mim.

 

Em suma, amar é amar o próximo,

Que é aquele que está agora a passar por mim,

Aquele que agora está mais perto de mim,

Que é o significado do superlativo latino proximus.

 

Salta à vista que este amor não brota de nós,

Não está em nós a fonte deste amor.

A fonte e o modelo de um amor assim é Deus,

É Jesus que se debruça sobre o estrangeiro e o inimigo que eu sou.

 

Senhor Jesus, ensina-nos a amar sem medida, como Tu.